domingo, 16 de junho de 2019

Crise

1) Paul de Man abre seu livro Blindness and insight (a primeira edição de 1971, a segunda, revisada, de 1983) com uma discussão sobre a retórica da "crise"; não apenas na literatura ou na crítica literária (que aponta, sim, a partir de Mallarmé e suas conferências em Oxford - os mesmos textos que Roberto Calasso utilizará em A literatura e os deuses), mas nas ciências humanas em geral. O aspecto mais interessante da argumentação desse ensaio é a ênfase que de Man dá ao literário: enquanto todo discurso crítico e teórico em algum momento recalca a artificialidade de sua exposição linguística, a literatura seria, para de Man, o único discurso que mantém tal artificialidade como premissa, como ponto de abertura.
2) A exposição de PdM é muito precisa nos exemplos que oferece de discursos alheios envolvidos com o diagnóstico de uma crise - um diagnóstico irônico e deslocado no caso de Mallarmé, ou um diagnóstico que beira a ingenuidade no caso de Husserl e seu A crise da humanidade européia e a filosofia. Os exemplos pontuais são apresentados por PdM em conjunto com uma perspectiva mais ampla da relação do discurso da crítica/teoria literária com outros campos - desde a linguística de Saussure, passando pela antropologia de Lévi-Strauss até chegar na psicanálise de Lacan. 
3) Rousseau faz uma breve aparição no ensaio, o que reforça indiretamente a centralidade desse autor não só para PdM, mas para outros autores fundamentais para seu pensamento como um todo: Lévi-Strauss e Derrida (o mote geral do livro de PdM é precisamente a leitura que Derrida faz de Rousseau - através de Lévi-Strauss - na Gramatologia). Nesse ensaio especificamente, a questão se coloca como uma contraposição entre Husserl e Rousseau: o primeiro dando ao "homem europeu" o domínio irrestrito da filosofia; o segundo, mais comedido, não dando uma ancoragem empírica à sua noção de "homem". Para Paul de Man, essa recusa deliberada de um ponto de origem fixo é a permanente lição do discurso literário, da ficção. 

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