1) Andreas Pum, protagonista do romance Rebelião de Joseph Roth, inicia sua jornada na narrativa já sem uma das pernas - consequência da I Guerra Mundial que lhe valeu uma medalha e uma permissão para tocar realejo nas ruas de Berlim. Muito semelhante àquilo que Kafka apresenta em O castelo, também Roth fala do anonimato burocrático do Estado envolvido no destino de Andreas Pum: depois de uma confusão no bonde, tem sua permissão confiscada, e logo em seguida é tratado violentamente tanto pela polícia quanto pelo sistema judiciário. É na prisão - e refletindo sobre a injustiça do tratamento que recebeu, sendo ele um veterano da guerra - que Andreas decide pela "rebelião", saindo de lá devastado e envelhecido, com as barbas e os cabelos brancos (como diz Olga na peça As três irmãs, de Tchekhov: "Essa noite envelheci dez anos").
2) Andreas Pum é absorvido pela engrenagem anônima do Estado, assim como o K. de Kafka. Em 1929, cinco anos depois do lançamento de Rebelião, Alfred Döblin lança seu romance de feição joyceana Berlin Alexanderplatz. O romance de Döblin é maior e mais complexo que o romance de Roth, mas ambos lidam - em suas respectivas escalas - com o submundo da cidade de Berlim e com a conversão de dois indivíduos em direção à rebelião. Se Andreas Pum chega à prisão na parte final de Rebelião, Franz Biberkopf, o protagonista de Döblin, sai dela já na primeira página (a construção é análoga: Biberkopf sai da prisão em direção à cidade; Andreas Pum sai do hospital em direção à cidade e à vida pós-guerra, munido de sua medalha, suas muletas e sua permissão para tocar o realejo).
3) "Este livro fala de um antigo operário de construção e de transportes", começa Döblin, "Franz Biberkopf, em Berlim. Saiu da prisão onde cumpriu pena por incidentes antigos, está de novo em Berlim e quer ter uma vida decente". Assim como no caso de Andreas Pum, contudo, a vida tem outros planos para Biberkopf: "Por três vezes, este destino investe contra o homem e interfere em seu projeto de vida. Atinge-o com logro e traição". Na exata metade da narrativa, por conta de um roubo que dá errado, Biberkopf é arremessado de um carro e atropelado - é preciso amputar o braço direito "à altura da articulação do ombro, são extirpados pedaços do osso do ombro, as contusões no tórax e na coxa direita, pelo que se pode afirmar até o presente momento, são de menor importância" (Berlin Alexanderplatz, trad. Irene Aron, Martins Fontes, 2009, p. 253).
Curiosamente, a quadrilha da qual Biberkopf se verá forçado a fazer parte é chefiada por sujeito que atende pelo nome de Pums, vulgo quase idêntico ao sobrenome de Andreas, rs. Enfim, baita post, Kelvin. Vida longa ao blog, rs. Boa sexta-feira! :D
ResponderExcluirLegal, não lembrava disso!
ExcluirObrigado pelo detalhe tão saboroso.