1) É evidente que a morte é um tema constante na literatura, aparecendo em todos os autores, desde as aparições mais diretas às mais metafóricas (um dos melhores ensaios de Sebald, por exemplo, trata justamente do motivo da morte no Castelo de Kafka). No caso de Joseph Roth, contudo, o tema se amplia e dissemina em uma série de motivos e detalhes, relacionados, por exemplo, à dissolução do Império Austro-Húngaro ou aos milhões de cadáveres da Primeira Guerra Mundial. Um motivo correlato é o destino dos corpos dos personagens de Roth, uma preocupação recorrente do autor.
2) Em um conto de 1925, "O espelho cego" (Der blinde Spiegel), Roth conta a história de Fini, uma jovem inocente que trabalha em um escritório e que é seduzida por um homem mais velho, pouco inclinado à higiene e à gentileza. Fini termina por encontrar o amor nos braços de um jovem revolucionário que, no entanto, desaparece misteriosamente. Pressentindo o pior, Fini comete suicídio se atirando no Danúbio. Seu corpo é recuperado e o conto termina com sua dissecção em uma escola de medicina. Rebelião, o romance de 1924, termina da mesma forma: depois de falecer no banheiro do qual era recepcionista, Andreas Pum é levado ao Instituto de Anatomia para dissecção, "a despeito de sua perna faltante".
3) Na novela que teve lançamento póstumo em 1940, "O Leviatã" (Der Leviathan), Roth conta a história de um comerciante judeu que vendia corais marinhos e que nunca havia visto o mar. Quando decide embarcar, estimulado por um amigo de Odessa, o navio afunda: "Mais de duzentos passageiros foram ao fundo com o Phönix. Naturalmente, morreram afogados", escreve Roth na última página do livro, e completa: "garanto que ele pertencia aos corais e que o fundo do Oceano era a sua única terra natal". No ensaio que dedica a Roth (está em Mecanismos internos), Coetzee define "O Leviatã" como a obra mais abertamente judaica e folclórica de Roth. Diante disso, é significativo que esse destino do corpo do comerciante de corais - para o fundo do oceano - já tenha sido evocado por Roth em outro texto, jornalístico, reunido agora no livro Judeus errantes. Trata-se do texto "Um judeu vai para os Estados Unidos", no qual Roth evoca a particularidade do judeu do Leste, acostumado à errância terrestre, agora defrontado com o mar:
Quem como o judeu do Leste traz no sangue a profunda consciência de que todo momento pode ser de fuga não se sente livre em um navio. Para onde se salvar se acontecer alguma coisa? Há milênios ele se salva. Há milênios acontece sempre algo ameaçador, há milênios ele sempre foge. O que pode acontecer? Quem saberá? Não podem eclodir pogroms também no navio? Para onde então? Se a morte surpreende um passageiro no navio, onde sepultar o morto? Atira-se o corpo ao mar. Mas o velho mito da chegada do Messias descreve exatamente a ressurreição dos mortos. Todos os judeus que se encontram enterrados em terra estrangeira terão de rolar sob a terra até chegar à Palestina. Mas os mortos lançados ao mar também ressuscitação? Há terra embaixo da água? Que criaturas estranhas moram lá embaixo? O corpo de um judeu não pode ser dissecado. Completo e intacto o homem tem de voltar ao pó.
(Joseph Roth, Judeus errantes, tradução de Simone Pereira Gonçalves, Editora Âyiné, 2016, p. 137-138).
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