quarta-feira, 16 de maio de 2018

Normas românticas

Detalhe da capa da primeira edição de O ajudante, romance de Walser
Nesta primeira publicação de Facundo em livro, Sarmiento bem que podia ter corrigido os erros que os críticos encontraram ao ler a obra em partes no El Progreso. Não o fez, como tampouco escreveu esta segunda versão melhorada que anuncia na introdução. Sarmiento nunca corrigia; se retomava um texto, não era para revisá-lo, mas para escrever outro livro. Portanto Facundo é, desde o início, texto definitivo, fiel às normas românticas da inspiração e da improvisação, consciente de suas falhas e até orgulhoso delas (em nota: Em uma famosa carta a seu amigo e leitor Valentín Alsina, publicada na segunda edição de Facundo, de 1851, é evidente a cautela com que Sarmiento fala de revisões e sua consciência das vantagens de deixar o livro em sua forma original e "informe").  

(Sylvia Molloy. Vale o escrito: a escrita autobiográfica na América Hispânica. Trad. Antônio Carlos Santos. Chapecó: Argos, 2003, p. 231).
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1) Walter Benjamin, em seu ensaio sobre Robert Walser, escreve: "Walser nos confronta com uma selva linguística aparentemente desprovida de toda intenção e, no entanto, atraente e até fascinante, uma obra displicente que contém todas as formas, da graciosa à amarga". Aparentemente desprovida de toda intenção, obra displicente.
2) Benjamin também menciona o fato de Walser não revisar seus textos, e comenta: "escrever e jamais corrigir o que foi escrito constitui a mais completa interpretação de uma extrema ausência de intenção e de uma intencionalidade superior". Existe em Walser um “pudor linguístico, tipicamente camponês. Assim que começa a escrever sente-se desesperado”. O ato da escrita obscurece a significação abstrata do texto para Walser, até o ponto da ficção se tornar caligrafia. (Benjamin, Magia e técnica, arte e política. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. Brasiliense, 1998, p. 50-53).
3) As normas românticas da inspiração e da improvisação, mencionadas por Sylvia Molloy no caso de Sarmiento, parecem se aplicar também ao caso de Walser, profundamente imbuído (assim como Benjamin) do espírito romântico alemão dos dois séculos anteriores (que chegará a Sebald via Rousseau). No caso da apropriação que faz Ricardo Piglia da obra de Sarmiento, por exemplo, a intuição de Molloy também é produtiva - são essas normas que possibilitam ao Facundo sua forma "informe", sua liberdade com os gêneros e os discursos (algo que Piglia reinventará com seu romance-ensaio sobre Roberto Arlt, Nome falso, e especialmente com Respiração artificial).  

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