Não existe medida melhor do descrédito estrutural de que goza a sociologia no mundo intelectual, o que se estende a tudo o que a rodeia, do que a comparação do destino que se lhe concede (o mais obscuro dos escritores ou filósofos com veleidades crescerá objetiva e subjetivamente ao exprimir todo o desprezo bem torneado que lhe atribui) ao tratamento concedido à psicanálise, com a qual, não obstante, a sociologia partilha alguns traços importantes, como a ambição de dar conta cientificamente das condutas humanas. Conforme demonstrou Sarah Winter [Freud and the institution of psychoanalytic knowledge], a psicanálise paramentou-se com a universalidade e a grandeza trans-históricas atribuídas pela tradição aos trágicos gregos, sabiamente desistoricizados e universalizados pela tradição escolar. Ao inscrever a nova ciência na filiação da tragédia de Sófocles, um dos florões da Bildung clássica, Freud conferiu-lhe suas credenciais de nobreza acadêmica [e, do lado latino, também com Virgílio, como fica claro na epígrafe da Interpretação dos sonhos]. E Lacan, ao retomar as fontes gregas e propor novas interpretações da tragédia de Sófocles, reativou tal filiação, certificada ainda por uma escrita que acumula as obscuridades e as audácias de um Mallarmé e de um Heidegger.
Pierre Bourdieu. Esboço de auto-análise. Trad. Sergio Miceli. Cia das Letras, 2005, p. 50-51.
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