1) Aquela ideia de Pound de que os artistas são a antena da raça cabe perfeitamente no caso de Edgar Allan Poe - mas com um desdobramento essencial, que não está na exposição de Pound: Poe não só recebe as ondas artísticas, os estímulos estéticos, metodológicos e procedimentais que chegam de todos os cantos (e mesmo do futuro), ele não só recebe, ele também transmite, ou seja, capta, processa, transforma e retransmite (para o outro lado do oceano, para Baudelaire e mais tarde Paul Valéry, o que não deixa de ressoar na própria trajetória de Pound - e também de Eliot).
2) Poe também captou o frenesi dos balões - a inovação tecnológica, a liberdade, a possibilidade de transmissão, deslocamento e travessia (como Julian Barnes com relação ao canal). Em 13 de abril de 1844, Poe publica uma história/notícia/relato no jornal The Sun, de Nova York. Tratava da travessia oceânica feita por Monck Mason em um balão de gás em 75 horas - uma ficção tomada por verdade, que mais tarde levou o título de "The Balloon-Hoax". A notícia da travessia se espalhou e logo uma multidão cercava a sede do jornal procurando por exemplares. Uma retratação foi publicada no dia seguinte.
3) Mas a ideia já estava no ar. Consta que essa ficção-científica primitiva de Poe influenciou diretamente o trabalho de Jules Verne, confesso admirador de Poe - ele não só escreveu Cinq semaines en ballon e Le tour du monde en quatre-vingts jours, mas também um ensaio intitulado Edgar Poe et ses oeuvres (de 1864, trabalho que só foi possível por conta das traduções feitas por Baudelaire). Mas a história de Poe sobre o balão, em 1844, tem raízes em outro conto seu, de 1835: "The Unparalleled Adventure of One Hans Pfaall", a história de um homem que chega à lua viajando de balão. Essa mescla do balão e da lua, e mais o tom soturno que Poe frequentemente dá a suas histórias, evoca o desenho de Odilon Redon, usado por McEwan na capa de Enduring Love, referido por Barnes em Levels of life, e utilizado também como imagem de capa em uma das coletâneas de histórias de Poe.
Falcão,
ResponderExcluirÉ interessante notar como dois escritores franceses tão diferentes quanto Baudelaire e Jules Verne admiravam e se deixaram influenciar pelo norte-americano Edgar Alan Poe. Como não poderia deixar de ser, cada francês fez uma leitura distinta da obra de Poe. Baudelaire era fascinado pelos elementos mórbidos, o romantismo "sombrio" e as figuras oníricas de Poe. Verne fez uma leitura superficial do americano, centrado no aspecto "aventureiro" e "científico" de suas narrativas.
Acho que o melhor exemplo desse tipo de leitura equivocada que Verne fez de Poe foi o romance "A Esfinge de Gelo", sua "continuação" para "As Narrativas de Arthur Gordon Pym", na qual seriam relatadas as aventuras "que faltavam" no livro original, devido à morte prematura do narrador-autor Gordon Pym. Verne não entendeu o destino metafórico que Poe conferiu ao seu personagem, justamente ao interromper o relato no momento em que o narrador se preparava para contar seu encontro com um perigo mortal. Dessa forma, a morte do narrador e o livro inacabado refletem a morte do protagonista e sua aventura interrompida, cujo desfecho é ambíguo por essa relação entre a morte "real" e a "literária". Verne, no entanto, talvez munido de certo racionalismo cartesiano, quis "completar" as "lacunas" da narrativa de Poe.
Olá, George
ExcluirNão fazia ideia dessa continuação escrita pelo Verne, muito interessante. Obrigado pela dica.