sexta-feira, 18 de abril de 2014

Figuras do trânsito

1) Edward Said (Estilo tardio) e Roberto Calasso (Os 49 degraus) concordam na admiração diante de Minima moralia, de Adorno, e concordam também em apontar o deslocamento geográfico e o choque cultural como principais motores criativos do livro (como escreve Calasso, é desse momento de vulnerabilidade de Adorno diante do desconhecido que surge a resistência criativa). Se fosse possível delimitar, a partir da experiência de Adorno, um período de tempo que representasse esse confronto entre vulnerabilidade e resistência, esse período poderia ser 1945-1960.   
2) No desarranjo do pós-guerra, certas obras aparecem como tentativas de configurar esteticamente esse cenário de confronto entre vulnerabilidade e resistência. Não apenas o trabalho de Adorno a partir do fragmento, da dissolução e do exílio, distante da Europa, mas também o trabalho de tradução de Roger Caillois, na França, de volta à Europa, portanto, quando em 1951 edita Borges na Gallimard (uma inversão notável e significativa, pois Adorno está diante de uma geografia nova aferrado a uma imagem arcaica - sua Europa e sua cultura - enquanto Caillois retorna ao arcaico e sobre ele deposita essa geografia ficcional estranha - não por acaso o nome da coleção é La Croix du Sud). Pois 1951 é também o ano da primeira edição de Minima moralia.
3) O período é crítico também para a recepção e assimilação de Nietzsche - como aponta brevemente Calasso no ensaio sobre Adorno e extensamente Vattimo em seu livro sobre Nietzsche -, comprometido que estava pela apropriação nazi-fascista (o que se desdobra, seja por Nietzsche, seja por Hitler, na questão da assimilação de Heidegger, como aponta o próprio Vattimo). É o período do revide e do revisionismo (como na França pós-Pétain), mas também da procura de novas bases para o desenvolvimento das técnicas e das ideias - a tradução dos escritores norte-americanos pelos italianos, Italo Calvino, Cesare Pavese, Elio Vittorini, entre outros; ou mesmo a insistência/resistência criativa de Truffaut com o cinema hollywoodiano dos anos 1950 (Hitchcock, Hawks, Huston, Ford - e essas duas pontas talvez sejam unidas pela figura de Jean-Pierre Melville, que escolheu seu sobrenome (escolheu o pai, a linhagem) na tradição literária estadunidense).       

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