O ensaio de Roberto Calasso sobre Adorno (comentado aqui) chama-se "A sereia Adorno", e trata, em rápidas pinceladas, de três tópicos interligados: 1) o exílio nos Estados Unidos; 2) a produção de Minima Moralia; e 3) a recepção e tradução desse livro na Itália. Calasso há muitos anos se preocupa em transmitir a ideia do trabalho de edição como um trabalho artístico (como já foi apontado em sua relação com Bruce Chatwin), e, no percurso, evidencia uma série de detalhes muito preciosos (como aqueles que envolvem a divulgação do trabalho de Salvatore Satta). A argumentação de Calasso no ensaio sobre Adorno lembra aquela de Gianni Vattimo sobre Nietzsche (que comentou sobre a "escola da suspeita"), em que rastreia as edições do filósofo na Itália ("O Nietzsche italiano", Vattimo, Diálogo com Nietzsche, ensaios 1961-2000, tradução de Silvana Leite, WMF Martins Fontes, 2010, p. 339-349), ressaltando a edição crítica de Colli e Montinari publicada a partir de 1964. Calasso fala de Minima Moralia como "um livro contagioso", "um livro-sereia", cujo canto requer "ouvidos receptivos". Caso contrário, escreve Calasso, "acabaremos por julgá-lo como o eminente historiador Delio Cantimori, o qual assim sentenciou para Giulio Einaudi, que lhe pedira um parecer editorial sobre o livro: 'É o produto tardio daquela literatura de máximas e considerações sociopsicofilosóficas que andavam muito em voga no período weimariano'". Para Calasso, a recusa de Cantimori diante de Adorno repercute sua recusa diante de Nietzsche: "o cauteloso Cantimori aconselhava até não manter os livros de Nietzsche ao alcance da mão na própria biblioteca". E completa: "nas considerações pedagógicas sobre Nietzsche, como naquele já remoto parecer editorial sobre Minima Moralia, creio que Cantimori representasse algo de muito sórdido, que continuamos a encontrar todos os dias: um certo aspecto policial da mais iluminada cultura italiana" (Roberto Calasso, Os 49 degraus, tradução de Nilson Moulin, Cia das Letras, 1997, p. 127).
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Um produtivo paralelo se anuncia nesse comentário de Calasso sobre "certo aspecto policial da mais iluminada cultura italiana", um paralelo que talvez tenha uma face mais evidente naquela reflexão de Bolaño sobre Carlos Wieder, ou seja, de que a sensibilidade artística não seria um impedimento para a violência, mas uma espécie de pré-requisito, mas que está também no livro de Alan Pauls sobre Borges, El factor Borges. Pois são esses os termos que Pauls resgata de Ramón Doll, o crítico literário argentino que refutou Borges por conta de seus excessivos empréstimos, alguém que "fala mal aquilo que outros já falaram antes e muito melhor" (Pauls resgata precisamente essa função policialesca de controle que Doll reclamava para si, como um guarda de fronteira).
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