Frontispício da segunda edição das Vidas de Vasari (1568), detalhe. |
Georges Didi-Huberman, em Diante da imagem (trad. Paulo Neves, ed. 34, 2013), passa longo tempo comentando as Vidas de Giorgio Vasari, sobretudo a ideia de que o desenho é a fonte de tudo, "pai de nossas três artes", arquitetura, escultura e pintura. A palavra disegno, escreve Didi-Huberman a partir de Vasari, "era tanto uma palavra do espírito quanto uma palavra da mão", servia "para constituir a arte como um campo de conhecimento intelectual" (p. 103). Disegno é uma palavra mágica para Vasari, polissêmica, antitética, infinitamente manejável - um significante flutuante. O conjunto das definições de disegno em italiano, informa Didi-Huberman, recobre "o que a língua francesa denota com os vocábulos dessin [desenho] e dessein [desígnio], outrora idênticos"; "é uma palavra descritiva e uma palavra metafísica", continua Didi-Huberman, "uma palavra técnica e uma palavra ideal", aplicando-se "à mão do homem, mas também a sua fantasia imaginativa, e igualmente a seu intelletto, e ainda a sua anima - para finalmente se aplicar ao Deus criador de tudo" (p. 105). E mais adiante completa: "o disegno de Vasari" tentava "suturar tudo, promover a unidade do intelecto e da mão, do conceito e da intuição" (p. 122).
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Foi essa palavra que chamou minha atenção, dessein, usada por Didi-Huberman como desdobramento francês do disegno italiano de Vasari. É esse termo que finaliza o grande conto de Poe, "A carta roubada", essa obra-prima já tão castigada pelos comentários. É um verso de Crébillon, citado por Dupin na carta falsa que ele deixa no lugar da "carta roubada": ...un dessein si funeste, s'il n'est digne d'Atrée, est digne de Thyest. Dois irmãos, claro, Atrée e Thyest, unidos numa mesma mentalidade perversa, como Dupin e seu adversário, o Ministro D (D de Dupin? um duplo como William Wilson?). Mas antes de tudo esse dessein, esse desígnio, esse traço, esse conjunto de rastros que deixam para trás, essa sagacidade que serve tanto para o crime quanto para a solução do crime. Esse desígnio (projeto, trama, cartografia) que é inteiramente de Poe, elevado a "Deus criador de tudo", como escreve Didi-Huberman. A palavra design, de resto, é amplamente utilizada por Poe em seus contos (vide aqui).
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