1) Humanismo, domesticação, controle. Para o Thomas Bernhard de Extinção é a casa paterna que representa esse cenário de inibição - é a casa que leva à fuga e, depois da morte do pai, é a doação da casa que simboliza essa "liquidação" ampla do legado (para usar um termo de Imre Kertész). Possibilidades e variedades de fuga, como no ensaio de Derrida sobre os sapatos de Van Gogh: se Meyer Schapiro é aquele que insiste na materialidade dos sapatos e na efetividade deles na vida do pintor, é porque procura deixar sempre na superfície o lado trágico da fuga; Heidegger, por outro lado, é definido por Derrida como "aquele que podia permanecer", que tinha uma casa atrás de si - e que fazia tanto da casa como do retorno premissas de seu pensamento.
2) Para Peter Sloterdijk, "a casa, os homens e o animal" formam "um complexo biopolítico". Daí decorre "a íntima conexão entre domesticidade e construção de teoria", a teoria como uma variedade de serviço doméstico, mas, "desde que saber passou a significar poder", assume também "o caráter de trabalho". A casa como centro organizador da experiência do mundo e no mundo. "Também os passeios a pé", continua Sloterdijk, "nos quais movimento e reflexão se fundem, são derivados da vida doméstica". E agora a frase que atualiza a percepção de Derrida: "as mal-afamadas caminhadas meditativas de Heidegger por campos e bosques não deixam de ser movimentos típicos de quem tem uma casa atrás de si" (Regras para o parque humano, p. 37).
3) É responsabilidade da casa formar adequados construtores de casas futuras - eis o papel do administrador, do sábio, Heidegger. O reverso da moeda está não só em Extinção, com a fuga e depois a liquidação, mas também em O sobrinho de Wittgenstein, também de Bernhard, em que a casa ganha sua feição menos edulcorada e se transforma na Instituição Psiquiátrica. Esse é o lado perverso da casa que começa a surgir em Robert Walser - também ele um caminhante meditativo - e explode nos anos de castigo de Fleur Jaeggy (aqui a instituição também é liquidada, como a casa de Bernhard). Pode-se pensar na casa paterna em Kafka, uma mescla de manicômio, prisão e museu de história natural.
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