quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Atlas, 5

1) A partir das cadernetas de Meyer Schapiro, um deslizamento por analogia: os Cadernos da viagem à China, de Roland Barthes (tradução de Ivone Castilho Benedetti. WMF Martins Fontes, 2012). Barthes não está na seleção que Didi-Huberman faz para seu Atlas, ainda que os Cadernos da viagem à China contenham alguns desenhos - nada, porém, que se compare à constância e qualidade das anotações de Schapiro. Barthes faz poucos desenhos: algumas cabeças, penteados, feições, alguns gestos. Seus Cadernos, no entanto, tem a mesma pulsão de incompletude das cadernetas de Schapiro, e com elas também compartilham a urgência de um trabalho que deve dar conta de um tempo veloz, de uma experiência fluida e difícil de apreender.
2) O foco principal de Barthes, esteja ele na China ou na França (ou no Marrocos), é sempre a linguagem: muitas de suas anotações dizem respeito ao discurso dos chineses, a oscilação entre a espontaneidade (sempre rara) e a fala pronta, oficial, burocrática (aquilo que Barthes chama de "blocos"). Quase no fim da viagem, um apontamento surpreendente, que faz tremer toda a argumentação e a experiência de Barthes até ali: Atenção, escreve Barthes em 30 de abril de 1974, os blocos talvez estejam na tradução, pois muitas vezes discurso abundante de alguém, que provoca riso nos outros, mas se reduz a um bloco, a um significado, quando sai traduzido
3) Como entender a China sem entender a língua? Barthes parece cercar um problema impossível, esmurrando de forma infrutífera uma muralha de alteridade radical. Os Cadernos mostram um Barthes desprovido de suas ferramentas - a China não lhe oferece terreno seguro, todos seus questionamentos se dissolvem. Não há sexualidade, não há moda, não há diferença entre feminino e masculino, Barthes não encontra signos legíveis, não consegue interpretar o que vê. São contra Freud, pois sexualismo, escreve ele. A realidade não é sexual (p. 42). Outras passagens: Civilização sem falo? (p. 30) ou E com tudo isso não terei visto o pipiu de um único chinês. Ora, o que se conhece de um povo, se não se conhece seu sexo? (p. 122). Pipiu? Pois é. A frase original é a seguinte: Et avec tout ça, je n'aurai pas vu le kiki d'un seul Chinois. Or que connaître d'un peuple, si on ne connaît pas son sexe?

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