sábado, 7 de janeiro de 2012

Bruno Schulz

1) Nos cinquenta anos que viveu (1892-1942), Schulz fez um pouco de tudo: desenhou, pintou, traduziu, escreveu ficção, escreveu ensaios, cartas, fez amigos. Há muito mais de Schulz do que Sanatório e Lojas de canela. Em 1936, saiu na Polônia sua tradução de O processo, de Kafka - com um posfácio generoso (alimentado pelas muitas ideias que trocava com seu amigo Witold Gombrowicz, pessoalmente e por cartas). Mesmo seus desenhos eram narrativos: frequentemente apresentam flagrantes, como se retratassem uma brusca intromissão em alguma conversa secreta. O escritor Isaac Bashevis Singer, na conversa sobre Bruno Schulz que teve com Philip Roth, frisa especialmente sua condição de interiorano tímido, chegando na cidade grande e enfrentando com temor os círculos literários já estabelecidos. Existe, contudo, outra versão da história, que está nos textos que Schulz escreve e publica na segunda metade da década de 1930 - especialmente seus textos de crítica literária. Schulz foi provavelmente o primeiro leitor público de Ferdydurke, a obra-prima de Gombrowicz. A resenha (Francesco Cataluccio reproduz alguns trechos no prefácio que está na edição brasileira de Curso de filosofia em seis horas e quinze minutos, de Gombrowicz (José Olympio, 2011)) mostra que Schulz mantinha suas leituras de psicanálise, por exemplo, bastante em dia.
2) Além de Gombrowicz, constam em suas obras completas textos críticos sobre as romancistas polonesas Maria Kuncewiczowa (1885-1989) e Zofia Nalkowska (1884-1954) - e também textos sobre Mauriac, sobre o medalhão da literatura alemã Bernhard Kellermann (resenha de um livro de 1935, Canções de amizade) e uma apreciação bastante pioneira do futuro Nobel de Literatura (em 1961) Ivo Andric. É interessante observar que pelo menos dois escritores resenhados por Schulz também se dedicavam ao desenho: o já citado Bernhard Kellermann, que estudou pintura e literatura alemã em Munique, nos primeiros anos do século XX, e Leonhard Frank, que também estudou pintura e desenho em Munique (Schulz resenhou Companheiros de sonhos, tido como um dos livros mais "expressionistas" de Frank - um rótulo que já era dado ao Alfred Döblin de Berlin Alexanderplatz, que é de 1929). Schulz também escreve sobre tradução (um texto intitulado vagamente "Três romances traduzidos") e dedica duas resenhas a escritores franceses: uma sobre o livro Regain, de Jean Giono (1895-1970), e outra sobre Irène Nemirovsky (que era russa, mas escrevia em francês).
3) O temperamento de Schulz lembra Kafka, Robert Walser e Walter Benjamin - e esse último, sensível que era aos desenhos de Daumier, George Grosz e, principalmente, à coleção iconográfica de Eduard Fuchs (que também morreu em 1940), certamente teria algo de interessante a dizer sobre a mescla entre imagem e texto proposta por Schulz (a primeira edição de Sanatório era acompanhada de reproduções de seus desenhos). Outra figura correlata é, claro, Bohumil Hrabal. Henryk Siewierski, o tradutor de Sanatório e Lojas de canela, acrescenta ao seu posfácio para este último um trecho de um depoimento de Hrabal sobre Schulz: "Viena, Budapeste, Lvov, Pribor, Budiejovice, Mikulov - mas me sinto mais em casa onde nunca fui, e aonde me levou Bruno Schulz nas suas Lojas de canela. É para mim a mais linda cidade do mundo. Desde que li as Lojas de canela mudei-me para lá, onde moro até hoje, e mesmo que nunca tenha lá estado, que importa? A ficção é às vezes mais perfeita e mais realista do que a própria realidade" (Lojas de canela. Imago, 1996, p. 170).

2 comentários:

  1. Há um ótimo ensaio do Coetzee sobre Shulz em Mecanismos Internos. "Aprofundar-se infância a dentro" é uma das frases antológicas que Coetzee cita dos escritos de Schulz.

    ResponderExcluir
  2. tenho esse

    http://desdelaciudadsincines.blogspot.com/2010/05/madurar-hacia-la-infancia-por-bruno.html

    !abraço

    ResponderExcluir