Nabokov era, sem dúvida, um pavão - na definição de Saer -, mas o rigor de sua leitura crítica é inigualável: mesmo diante de Gógol, um dos escritores que mais admirava, Nabokov conseguia estabelecer limites, delimitando pontos de excelência e pontos de superficialidade. Em uma entrevista para a Paris Review, Nabokov relembra a primeira vez que teve contato com Ulysses, de Joyce: ele diz que foi por volta de 1920, quando estudava em Cambridge e um amigo seu, voltando de Paris, levou uma cópia do livro - juntos, leram trechos do monólogo de Molly, que Nabokov, na entrevista, diz ser the weakest chapter in the book. Somente quinze anos depois é que ele leria o livro integralmente [há, contudo, algo de errado nessa história: Ulysses teve algumas partes publicadas, de março de 1918 a dezembro de 1920, na revista literária norte-americana The Little Review; o amigo de Nabokov pode, talvez, ter levado um exemplar dessa revista, cujo conteúdo fosse um trecho do monólogo de Molly; não poderia ter levado de Paris um exemplar do livro porque Ulysses só foi lançado como livro em fevereiro de 1922, e nessa data o jovem Nabokov era recém-chegado a Berlim, onde sua família estava exilada (o pai de Nabokov foi assassinado em março de 1922)]. Na sequência do comentário sobre Joyce, o entrevistador lhe pergunta sobre a influência de Gógol, e Nabokov responde: I was careful not to learn anything from him. As a teacher, he is dubious and dangerous. E aqui vem o rigor da leitura: At his worst, as in his Ukrainian stuff, he is a worthless writer; at his best, he is incomparable and inimitable. [em paralelo às histórias urbanas, como O Capote e O Nariz, Gógol realizou uma profunda incursão nas lendas e histórias populares da Ucrânia, o que rendeu uma série de histórias, especialmente no início da carreira - todo esse esforço de Gógol é, segundo Nabokov, sua Ukrainian stuff].
Há 10 horas
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