domingo, 2 de outubro de 2011

Traduzindo Roth

Estou lendo Zuckerman libertado com o original, Zuckerman unbound, ao lado. O tradutor, Alexandre Hubner, utiliza bem as notas, explicando eventualmente algum termo em iídiche, referências a figuras obscuras como Albert Schweitzer ou Abner "Longy" Zwillman, entre outras miudezas. Há uma passagem, contudo, em que o tradutor optou por realizar o esclarecimento no corpo do texto, como se fossem palavras do próprio narrador:
He dialed the answering service again.
"Rochelle, I'm trying to locate the actress Gayle Gibraltar."
"Lucky girl."
"Do you have some kind of show-business directory there?"
"Got all a man could want here, Mr. Zuckerman. I'll take a look." When she came back on the line, she said, "No Gayle Gibraltar, Mr. Zuckerman. Closest I've got is a Roberta Plymouth. You sure that's her professional and not her real name?"
(Philip Roth, Zuckerman unbound. Vintage, 1995, p. 55)
A versão em português:
Tornou a ligar para o serviço de interceptação de chamadas.
"Rochelle, estou tentando localizar a atriz Gayle Gibraltar."
"Garota de sorte."
"Vocês têm algum tipo de lista telefônica do showbiz?"
"Temos tudo o que um homem pode desejar, Zuckerman. Vou dar uma olhada." Após alguns instantes, Rochelle voltou à linha e disse: "Não encontrei nenhuma Gayle Gibraltar. Com nome de base naval, só temos uma tal de Roberta Plymouth. Tem certeza de que é o nome artístico da moça? Será que não o nome real?"
(Philip Roth, Zuckerman libertado. Companhia das Letras, 2011, p. 172)
Em sua pesquisa para a tradução, Hubner provavelmente foi atrás da razão da telefonista ter aproximado Gibraltar de Plymouth - e deve ter encontrado bases navais com esses nomes. Quem poderia imaginar que uma frase tão rápida e banal poderia encerrar em si tanta decisão e, também, em última instância, um enxerto considerável no texto original (afinal de contas, não foi isso que Roth escreveu - talvez seja algum outro trocadilho, algo que nem passe pela ideia de base naval - além do mais, se Roth não quis explicar a piada, por que o tradutor deveria fazer isso em seu lugar?). Ainda mais tragicamente angustiante é pensar que nenhuma dessas palavras na segunda citação é de Roth, ele não escolheu sequer uma única dessas palavras - ele sequer conhece o significado de qualquer uma dessas palavras.



3 comentários:

  1. Deve ser um tradutor do tipo: "Mato o original, mas não perco a piada"...

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  2. Continue o exercício. Você não faz ideia dos crimes de lesa-majestade que o sujeito comete mais à frente.

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