Encontrei por acaso o trailer do documentário Separações, de Andrea Seligmann Silva, que vem a ser irmã de Márcio Seligmann-Silva, professor da Unicamp e o mais interessante comentador de Walter Benjamin que eu conheço – além de toda sua produção sobre a literatura pós-Auschwitz e questões como memória, testemunho, luto, etc. O documentário é autobiográfico, propondo uma reconstrução da história da família e uma reflexão sobre a fuga da mãe, Edith, dos nazistas, em 1939. A mãe de Márcio e Andrea tinha apenas três anos de idade e veio parar no Brasil. O Silva vem do pai deles, que é brasileiro, antropólogo e trabalhou muitos anos com os índios.
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A filha, de certa forma, vai resgatar as origens da mãe, que, depois de chegar ao Brasil, parece fazer um esforço para esquecer, para enterrar a Europa de uma vez por todas. É curioso o quão entranhado um percurso intelectual pode estar à vida pessoal de um sujeito, seja o percurso de cineasta da irmã Andrea, seja o percurso de crítico/professor do irmão Márcio. A força narrativa do testemunho termina por invadir, a partir de agora e retrospectivamente, todos os textos dele que li. O contato problemático do testemunho com a verdade, e com a possibilidade de existência da verdade, ganha um novo contorno não apenas com o fato de conhecermos um pouco da história da família, mas também, e principalmente, com o esforço coletivo de rememoração e verbalização dessa herança. Rostos e vozes são incorporados àquilo que, antes, era só papel e tinta.
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No ensaio “Literatura e trauma: um novo paradigma”, Seligmann-Silva desenvolve alguns pontos que configuram o trauma daqueles que passaram pelos campos de concentração. Em alguns casos, ele afirma, os traumatismos sofridos foram além da capacidade de elaboração do indivíduo, marcando, em consequência, a geração seguinte. “Sobretudo nas famílias em que os pais se protegeram do trauma negando-o e se recusando a falar dele”, escreve Seligmann-Silva, “as crianças receberam de modo inconsciente os fatos, relacionando-se com ele via fantasia”. E finaliza: “A temporalidade para essas crianças identificadas com o sofrimento de seus pais torna-se fragmentada”. É exatamente o que acontece com o próprio Seligmann-Silva, especialista em Shoah ao ponto da obsessão, convivendo com sua mãe (conforme mostra o documentário), uma sobrevivente relutante e silenciosa do Holocausto. (acrescentado em 12 de maio de 2010)
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Assisti uma palestra do Márcio Seligmann-Silva sobre Sebald numa ocasião. Na época não sabia quem era, fui porque já conhecia Sebald e ele iria falar sobre Austerlitz, que ainda não havia sido traduzido. Somente depois pude ler alguns de seus textos sobre Benjamin e a primeira boa impressão foi reforçada.
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