segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Mulheres/Loucura

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Dediquei certo tempo, por conta de algo que escrevi, às relações da loucura com a literatura - ou ainda, da contingência com a expressão. E mais: a modificação que sofre a arte por conta da loucura ou da contingência, seja qual for. Exemplo: os microgramas que Walser inventa no manicômio.

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Nos últimos dias encontrei muitas referências à loucura das companheiras de escritores, que terminei por agregar ao material que já tinha. A mulher de Pirandello, por exemplo, que, a exemplo da mulher de Joyce, Nora Barnacle, nunca encostou em nada escrito pelo marido, tinha acessos de depressão, de desespero e de raiva, alucinações e visões, principalmente depois que um dos filhos do casal alistou-se para lutar na I Guerra. Em 1919, foi internada num sanatório. Em 1921, era a vez da primeira esposa de T.S. Eliot ser internada, num período em que Eliot enfrentava dificuldades econômicas, escassez e falta de perspectivas. Anos depois foi a vez de Zelda Fitzgerald, mulher de Francis Scott Fitzgerald, ser internada. A mulher de Horacio Quiroga agonizou oito dias até morrer, depois de ter ingerido veneno em 1915.

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Georges Didi-Huberman publicou, na década de 80, um livro que tenho muita vontade de ler: Invention de l'hysterie, sobre Charcot, o hospital de la Salpêtrière e a iconografia, raríssima e acumulada ao longo de anos, que retrata a histeria. Trata-se das possibilidades de ouvir das imagens outra história. A histeria como uma teatralização delirante do corpo, a imagem como reforço de uma loucura encenada, fabricada. O histérico sente-se constantemente observado, dobra o corpo como performance. O médico, a partir da hipnose, re-dobra o corpo segundo a sua vontade: teatro do teatro, performance do performático, espelho diante do espelho. Charcot inventa uma máquina do olhar, uma audiência (Freud está lá).

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Charcot examinou os olhos, os pulmões e os corações das mais de 4 mil mulheres que encontrou no hospital, tirou a temperatura vaginal e retal, testou reflexos, sensibilidade à dor, realizou hipnose, banhos, recolhimento e análise de todas as secreções, dispondo tudo isso diante dos fotógrafos que arregimentou.

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A torção dos corpos, durante os acessos, era variada e expressiva: ira, deboche, preguiça, desejo, religiosidade, paixão, carinho - as mulheres levantavam os braços aos céus, botavam as línguas para fora, movimentavam os quadris de forma repetitiva, abraçavam o próprio corpo, serpenteavam os corpos sem dar nenhum sinal de cansaço. Mais do que solucionar, Charcot queria reproduzir, apropriar-se da loucura.

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