"Virgílio diz, em seu sexto canto [versos 436-7 do Canto VI, Eneida], que quem se matou passa o tempo, no limiar dos infernos, a lembrar-se nostalgicamente da vida:
...Quam vellent arthere in alto
Nunc et pauperiem et duros perferre labores!
[Como gostariam agora de executar
humildes e duros trabalhos no céu]
Virgílio os deplora, embora seja muito duvidoso que devam ser deplorados; mas não os condena. O imperador Marco Aurélio ordena que suas cinzas não sejam perturbadas, e que seus testamentos sejam considerados válidos" (Voltaire, O preço da justiça, trad. Ivone Benedetti, Martins Fontes, 2001, p. 23)
*
"Não é dado aos homens serem perfeitos. Virgílio esgotou tudo o que a imaginação tem de maior na descida de Enéas aos infernos, ele disse tudo ao coração nos amores de Didon, o terror e a compaixão não poderiam ir mais longe do que na descrição da queda de Troia: desta imensa elevação, que ele atingiu bem no meio de seu voo, ele só poderia descer.
O projeto do casamento de Enéas com Lavínia, que ele jamais tinha visto, já não nos interessa depois dos amores de Didon. A guerra contra os latinos, que começa por ocasião de um cervo ferido, pode somente arrefecer uma imaginação aquecida pela ruína de Troia. É bem difícil de se elevar quando o assunto perde altura.
Entretanto não se deve crer que os seis últimos cantos da Eneida sejam desprovidos de beleza. Não há nenhum em que não se reconheça Virgílio, é que a força que sua arte arrancou deste terreno ingrato é quase inacreditável, observamos em tudo a mão de um homem sábio que luta contra as dificuldades, ele organiza com critério tudo aquilo que a brilhante imaginação de Homero tinha espalhado numa profusão sem regras" (Voltaire, Ensaio sobre a poesia épica, trad. Caio Carneiro Marques, aqui).

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