quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Alice, 1974



1) Wim Wenders lança Alice in den Städten em 1974, uma celebração da fabulação infantil e da presença ilógica das crianças na sociedade, no mundo - uma espécie de desapego com relação aos dogmas e às verdades, como acontece na Rayuela de Cortázar (de 1963), ou ainda mais intensamente em Zazie dans le métro, de Raymond Queneau (de 1959): Alice mente (cria, ficcionaliza) sobre a própria vida, ou ainda, mente a própria vida, ao mesmo tempo em que não sabe nada - não sabe o nome de solteiro da mãe, não sabe o nome da avó ("o nome da minha vó é vó", ela diz). (No ano seguinte, 1975, Perec (que dedica Vida, modo de usar a Queneau) lança W ou le souvenir d'enfance).

2) Se é difícil ligar diretamente Sebald e Wenders (ainda que o primeiro fale do segundo em seu ensaio sobre o livro de Hanns Zischler, Kafka vai ao cinema - Zischler, de resto, que também foi ator, participou de filmes de Wenders), eles compartilham um elo intenso pela via de Peter Handke: é precisamente um dos livros de Handke comentados por Sebald em seus ensaios - Wunschloses Unglück, de 1972, sobre o suicídio da mãe - que Wenders coloca no filme, sobre uma mesinha de centro no apartamento em Nova York de uma ex-amante do protagonista, que recusa sua presença depois de um devaneio filosófico.

3) Assim como o narrador de Sebald, o protagonista de Wenders caminha pelas cidades com uma câmera, registrando não aquilo que se apresenta imediatamente ao olhar, mas o atravessamento entre um momento específico, irrepetível, e a subjetividade de alguém que vive aquele momento para escrevê-lo (junto com as fotografias, e junto com a câmera, o protagonista de Wenders manipula também sua caderneta, na qual elabora um texto interminável, um texto que só pode levá-lo à beira de um colapso nervoso - não por acaso a caderneta se transforma em plataforma para o jogo da forca, quando o protagonista brinca com a criança: sempre a morte, a finitude, the undiscovered country de Hamlet que Sebald tanto usou).

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