1) Eros, o Doce-Amargo é, sem dúvida, um livro de análise literária sobre a poesia de Safo, sobre o grego antigo e sobre as relações entre filologia, poesia e filosofia; contudo, é também – e sobretudo – um livro sobre as estruturas profundas da poesia, sobre a colocação de certas palavras muito específicas em posições-chave dentro de uma frase, visando o melhor efeito estético possível. “Há um dilema dentro de eros que tem sido considerado crucial por pensadores desde Safo até hoje”, escreve Carson, mostrando que sua leitura diz respeito simultaneamente ao passado e ao presente.
2) Carson dá atenção às funções de certos termos e suas idiossincrasias – começando pelo “Doce-Amargo”, Bittersweet, sua tradução do glukupikron de Safo (“amor e ódio constroem entre si a maquinaria do contato humano”). Carson nota um verso no qual uma maçã está suspensa na árvore; o verbo para a “suspensão” é epeteto, que vem de petomai, o verbo “voar”. Geralmente é usado “para criaturas com asas ou para emoções que atravessam o coração”, ligado à “emoção erótica”, usado por Safo no fragmento 31 para dizer que eros “dá asas ao meu coração” ou “faz meu coração voar”. No trecho analisado por Carson – do romancista Longo, autor de Dáfnis e Cloé, do século II d.C. –, o verbo está no imperfeito, ou seja, “paralisa a ação do verbo no tempo”, já que o imperfeito expressa continuidade, “para que, como a flecha no paradoxo de Zenão, a maçã voe enquanto permanece parada”.
3) A análise de Carson é impressionante não apenas por aquilo que diz sobre um trecho, um autor, um momento do texto (como faz com o Fedro de Platão, ou com Os amantes de Aquiles [Achilleos Erastai], de Sófocles); é digna de nota também porque reitera o procedimento que sustenta o livro como um todo: buscar momentos de indefinição e ambivalência cristalizados na língua, nos significantes, na cadência poética de textos arcaicos, uma vez que o cerne da literatura é precisamente sua polissemia (“Da mesma forma que todos os paradoxos são, em certa medida, paradoxos sobre o paradoxo, todo eros é, até certo ponto, desejo pelo desejo”, resume Carson).
Nenhum comentário:
Postar um comentário