quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

A escrita como faca

Setembro de 1963

"As palavras vêm sem que eu as procure ou, ao contrário, exigem uma tensão extrema, não um esforço, e sim uma tensão, para serem ajustadas com precisão à representação mental. Quanto ao ritmo da frase, não trabalho nele, eu o escuto em mim, apenas o transcrevo. Meus rascunhos - trabalho em folhas de papel, com canetas de ponta fina - são cheios de rasura - mas isso também depende dos textos, de acréscimos, palavras escritas em cima de outras, deslocamentos de frases e parágrafos" (p. 119-120)

"Muito cedo, portanto, os livros constituíram o território do meu imaginário, da minha projeção nas histórias e nos mundos que eu não conhecia. Depois, encontrei neles o manual de instruções da vida, um manual de instruções em que eu confiava muito mais que no discurso da escola e de meus pais. Eu tendia a pensar que a realidade e a verdade se encontravam nos livros, na literatura" (p. 164)

"Quem leu O lugar sabe que dato na morte abrupta de meu pai, em 1967, essa reativação da memória, esse retorno da memória reprimida, essa volta para a minha história e a dos meus antepassados. Ao mesmo tempo, nesse exato momento tomei consciência da minha transformação pela cultura e pelo mundo burguês ao qual meu casamento me levou" (p. 166)

Annie Ernaux, A escrita como faca e outros textos, trad. Mariana Delfini, Fósforo, 2023

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