quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Ser idiota


Ser idiota, criar a partir da própria idiotice... Em Nouvelles Impressions du Petit Maroc, relato-ensaio escrito em abril de 1990, César Aira acessa esse tema profundamente flaubertiano (a idiotice), o que parece bastante apropriado uma vez que está em uma residência de escritores na França. A partir dessa idiotice, escreve Aira, é preciso escrever mal, é preciso escapar da facilidade imediata da língua materna: quando se escreve mal, o produto não é o texto, e sim o autor (é por isso, também, que Aira defende nesse relato-ensaio a ideia de que o escritor não deve corrigir: a correção é feita com olhar de leitor - mais do que isso, com uma estética de leitor -, que invalida e conspurca todo o projeto de escritura).

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Outra coisa interessante que coloca Aira nesse brevíssimo livro é a relação entre guerra, turismo e literatura - com o fim do período das guerras, produtoras de relatos por excelência (e nisso há um fio subterrâneo que liga Aira em negativo à tese de Walter Benjamin sobre o silêncio dos soldados que retornam), como os romances de Ernst Jünger ou Louis-Ferdinand Céline (os exemplos são meus, não de Aira), surge a empobrecedora era do turismo. Ainda assim, mesmo na brevidade desse juízo e dessa tensão (guerra x turismo; ontem x hoje), Aira consegue nomear um escritor que, dentro dessa era (seguindo, de certa forma, seus ditames), consegue apresentar uma obra superior: Bruce Chatwin. 

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