quinta-feira, 16 de março de 2023

1846


"Dá para entender o alvoroço que causou o livro [Gente pobre, de Dostoiévski] lendo-o hoje, 170 anos depois? Não há nada de especial na história. A forma, um romance epistolar, era uma imitação de George Sand e Balzac quando estrearam, e já estava quase caindo em desuso. Não era também nenhuma novidade escrever sobre 'pessoas comuns', Gógol já havia feito isso quatro anos antes em Almas mortas. Há, contudo, uma grande diferença entre o onisciente Gógol, que se colocava acima dos personagens como um Deus e caracterizava os simples mortais com humor bastante intenso, e Dostoiévski, que escrevia, e talvez seja o primeiro da literatura universal, a partir dos personagens, escrevia a partir dos humilhados e ofendidos, dava a eles uma língua própria, um ponto de vista próprio, expressava seu provincianismo, mesquinharia, cólera, maldade, suas artimanhas e prazeres e sua poesia menor e irresoluta. O leitor de São Petersburgo de 1846 percebeu o quanto isso era novo, do estudante mais mediano ao crítico literário mais renomado"

(Jan Brokken, O esplendor de São Petersburgo, Ayiné, 2022, p. 81-82)


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