segunda-feira, 21 de março de 2022

Romance do coletivo



1) Recentemente, na London Review of Books, Fredric Jameson publicou uma resenha sobre o gigantesco romance de Olga Tokarczuk, The Books of Jacob (sobre Jacob Frank, líder religioso polonês do século XVIII que se dizia reencarnação do Messias), que ele interessantemente coloca "alongside the great postmodern meganovels", dando como exemplos os livros de Thomas Pynchon, 2666 de Bolaño e Vida, modo de usar, de Perec. É uma resenha entusiasta que, ironicamente, fala da "esperteza" do comitê responsável pelo Prêmio Nobel, que o ofereceu a Tokarczuk antes que o mundo pudesse perceber com clareza a quem o prêmio estava sendo dado (o prêmio, de certa forma, se entendo bem o comentário de Jameson, tornou os humores mais "maleáveis", tornando a circulação de um romance tão exigente possível - tornando possível, de resto, a própria resenha de Jameson em um periódico tão célebre).

2) São vários os temas caros a Jameson que ele encontra no romance de Tokarczuk e que, consequentemente, aparecem na resenha: a) as metamorfoses do romance como gênero na literatura do século XX e, agora, do século XXI; b) a dinâmica de transmissão de conceitos dentro dos vários discursos das ciências humanas (ele fala de Weber e de "carisma", de Freud e de "populismo"); c) as descontinuidades entre tempo "natural" e tempo "histórico", entre o tempo pensado como sucessão de estações e o tempo pensado como acúmulo de fatos e eventos (a discussão adorniana da "História natural"); d) a relação entre o pensamento "utópico" e o "racional", ou ainda, a relação entre o "tempo do mundo" e a dimensão messiânica, fundamental para Walter Benjamin (mencionado na resenha) e central no romance.   

3) O grande mistério do romance, e sobre o qual se detém Jameson em sua resenha, é o mistério da crença religiosa e de suas ligações com o messianismo - dentro dessa questão, o modo como a transformação do discurso religioso acarreta mudanças também na paisagem política (como a heresia se aproxima da traição, da sedição e assim por diante). Tokarczuk has learned to do the impossible: to write the novel of the collective, escreve Jameson na última frase: o "romance do coletivo" porque não está centrado em um único personagem - apesar de ser sobre um Messias -, mas na "energia messiânica" que liga o indivíduo ao coletivo, a energia que dá liga às comunidades, às conjuras e às sociedades secretas (o Messias "is something that flows in your blood", escreve Tokarczuk, cita Jameson). 

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