1) Gosto do modo como George Orwell usa os detalhes, calibrando o ficcional e o documental a partir de lampejos de especificidade. Em Homenagem à Catalunha, por exemplo, os corneteiros da milícia eram "todos amadores": "a primeira vez que ouvi os toques de clarim espanhóis foi vindo do outro lado das linhas fascistas" (p. 15).
2) Quando o trem está de partida, a mulher de um deles aparece com "dois palmos" de uma salsicha "cor vermelho-vivo, que tinha gosto de sabão e provocava diarreia". Em seguida, o trem segue viagem "em sua velocidade normal de tempo de guerra", ou seja, "um pouco menos que vinte quilômetros por hora" (p. 23). Na viagem de volta, ele vê companheiros, "com os cantis de pele de bode espanhóis", "espirrar um jato de vinho até a outra ponta do vagão, bem na boca do amigo" (p. 104).
3) Diante da frente de batalha, os morros aparecem "cinzentos e enrugados como a pele de elefantes" (p. 35) (um detalhe que faz pensar no célebre ensaio de Orwell, "Shooting an Elephant", publicado na revista New Writing em 1936). Em "oitenta dias" de atividade da frente de batalha, Orwell escreve que se despiu em "apenas três ocasiões" ("fazia frio demais até para os piolhos") (p. 43). A munição utilizada era tão precária que "dizia-se que um velho obus tinha apelido próprio e era lançado todos os dias de um lado para outro, sem jamais explodir" (p. 62).
(George Orwell, Homenagem à Catalunha, Trad. Claudio Alves Marcondes, Cia das Letras, 2021)
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