2) Além dos 1.500 volumes que Flaubert declarou terem sido necessários para a elaboração do romance (para cobrir os conhecimentos especializados que os dois amigos dissecam ao longo dos anos), o arquivo Bouvard e Pécuchet é formado por centenas de recortes de jornais: é da imprensa e do acúmulo cotidiano de faits divers que Flaubert retira as "bobagens" que formaram o cerne da busca incessante dos dois protagonistas por "saber" (em certo sentido, Flaubert antecipa Aira e a ideia de uma literatura que se faz a partir da escolha de um dispositivo - a partir do momento em que a escolha é posta em movimento, seja a partir da coleta de notícias, seja a partir da justaposição de recortes ao longo do tempo, é quase como se o romance se escrevesse sozinho).
3) O romance como hoje o conhecemos é formado apenas pelo primeiro volume, cujo último capítulo Flaubert não consegue terminar. O segundo volume, contudo, também é - até certo ponto - conhecido, hoje denominado Dicionário das ideias feitas (também ele está inconcluso: Flaubert planejava passar seis meses em Paris para pesquisar e finalizar o Dicionário - "três quartas partes é feito quase que de citações", escreve ele em carta de 25 de janeiro de 1880 para Madame Roger des Genettes (que pode ser lida aqui)). Flaubert, portanto, antecipa Benjamin e sua ideia de fazer um livro de citações, aquele que conhecemos como o Livro das Passagens, também inconcluso (dois projetos impossíveis, intermináveis por definição?).
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