segunda-feira, 17 de maio de 2021

O precursor velado


1) Como se forma a singularidade do artista no campo literário? Como se define a dinâmica entre continuidade e ruptura no que diz respeito à conduta diante das regras que definem o campo? Borges, por exemplo, funda um espaço para sua literatura a partir de um confronto tenso entre o gauchesco e o europeu, manipulando signos de esferas conflitantes (em seu livro sobre Borges, Alan Pauls fala do "parasitismo" denunciado pelo crítico Ramón Doll na década de 30: a questão ultrapassa a crítica pontual de Discusión no momento em que Borges utiliza um juízo negativo, o de que não passava de um plagiador, e o transforma em centro de sua poética, de seu fazer literário).

2) Bernardo Carvalho, por sua vez, articula o autobiográfico, o etnográfico e o recurso ao "exotismo" nacional, ao mesmo tempo em que leva a experiência de "ser brasileiro" em direção a outras latitudes, outras perspectivas de mundo (para ele, Bruce Chatwin é a figura-chave - basta pensar em sua tradução de O rastro dos cantos, que sai em 1996 -, a referência que permite a dissolução do exotismo no contraste com um estilo documental na exploração de uma ficção ensaística, referenciada e, ao mesmo tempo, plenamente consciente da necessidade de ancorar toda essa experimentação em um narrador-sujeito que duvida de si, de sua formação, de seu desejo de "fazer obra"). 

3) César Aira, por sua vez, em 1981, em um artigo para a revista Vigencia intitulado “Novela argentina: nada más que una idea”, traça um panorama daquilo que via como o arranjo contingente da literatura argentina contemporânea, comentando obras como Como en la guerra, de Luisa Valenzuela, Nadie nada nunca, de Saer, e Respiración artificial, de Piglia, que definiu como “um dos piores romances de sua geração”. O romance argentino é "raquítico", escreve Aira, empobrecido pelo "uso oportunista" do "material mítico-social disponível", ou seja, "os sentidos sobre os quais vive uma sociedade em um momento histórico dado". Falta invenção, e Aira se posiciona no campo como alguém comprometido precisamente com a invenção, a partir de uma posição "lúdica e antirrealista" (como escreve Sandra Contreras).  

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