sexta-feira, 21 de maio de 2021

Ciclo fóbico


1) Peter Sloterdijk, em seu livro sobre a história do terrorismo como história do século XX (Luftbeben: An den Quellen des Terrors, de 2002), fala do "ciclo fóbico" instaurado pela tecnologia: os dispositivos são empregados visando a resolução da ansiedade, mas é precisamente a lógica de inovação permanente embutida nos dispositivos que intensifica a ansiedade. De certa forma, Sloterdijk faz a ligação entre a novidade da guerra química dos gases durante a I Guerra Mundial e a atmosfera de conectividade difusa da nossa contemporaneidade: o ponto de ligação é a passagem de um paradigma do corpo-a-corpo (a baioneta como último vestígio desse paradigma) para um do corpo-e-todo (a nuvem, o mercado, a web, a globalização). 

2) Por isso a centralidade da técnica psicanalítica, escreve Sloterdijk, não só para o encadeamento que leva de Freud a Lacan e de Lacan a Zizek, por exemplo, mas especialmente na perspectiva da psicanálise como estratégia para ler signos e manipular cenas de origem (Sloterdijk ainda enfatiza a ironia daquele que valoriza a psicanálise ao mesmo tempo em que a recusa como terapia pessoal - o que é exatamente o caso de Derrida em O cartão-postal, que comenta o rumor infundado - espalhado por Serge Dubrovsky - de que ele estaria em análise). O discurso da psicanálise faz parte de um conjunto de dispositivos que asseguram a permanente circulação da ideologia da inovação, ou seja, da recusa de qualquer posição fixa (adaptando a profética frase de Karl Kraus, é o dispositivo que oferece a cura para uma doença que ele próprio cria).

3) Sloterdijk resgata ainda o projeto das Passagens de Benjamin como um precursor dessa reflexão sobre o ambiente e passagem do corpo-a-corpo para o corpo-e-todo: as passagens parisienses, para Benjamin, formam uma articulação complexa entre tempo e espaço (o primeiro é suspenso e homogeneizado; o segundo é aplainado em uma horizontalidade vidrada, transparente). A construção do espaço novo na cidade envolve uma carga decisiva de "vício", escreve Benjamin, comenta Sloterdijk, uma pulsão irresistível de formar "casulos", "envoltórios" (a forma material das passagens é, também, o espelhamento físico de um conjunto de formas simbólicas que povoam a vida imaginativa do século XIX).

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