sábado, 26 de setembro de 2020

Objeto do objeto


1) Em seu ensaio sobre a coleção e o colecionismo, Gérad Wajcman fala rapidamente de Lolita, de Nabokov. O que está em questão para ele é o estatuto do objeto, seja na troca psicanalítica, seja na dinâmica específica do colecionismo (o objeto único que se repete indefinidamente no desejo do colecionador de expandir a coleção, e assim por diante). O que há de mais escandaloso no romance de Nabokov, escreve Wajcman, não é tanto a sedução da menina quanto a transformação de Humbert Humbert em objeto: ele é reduzido ao estado de objeto pelo próprio objeto de seu desejo (a partir de Freud e Lacan e da discussão sobre o fetichismo, Wajcman mostra como Nabokov sempre apresenta os personagens de forma "objetal", em partes, em seções específicas, como que recortados de um todo).

2) No seminário sobre Subjetividade e verdade (janeiro a abril de 1981), Foucault apresenta uma extensa reconstrução do contato entre paganismo e cristianismo pelo viés do casamento, da sexualidade e do desejo. A valorização do casal, do casamento e da fidelidade não é invenção cristã, escreve Foucault, e sim uma herança anterior, aprimorada especialmente pelos estoicos (Musônio Rufo é o principal nome na argumentação de Foucault). Um dos elementos responsáveis por essa transformação estrutural é o manejo do desejo: o homem, que no passado mostrava sua virilidade pela expansão do desejo (em direção a escravos e escravas, por exemplo), passa a ser valorizado (na doutrina de Rufo) por sua capacidade de controlar o próprio desejo. Em vários momentos a glosa de Foucault se aproxima dos termos usados por Wajcman: o homem que não controla o próprio desejo (restringindo o sexo ao casamento) é passivo e não ativo, é um objeto controlado pelo próprio desejo.

3) Escreve Foucault na página 238: "No sistema de que estou lhes falando - que genericamente é o sistema estoico, mas que vocês encontram também em autores que não o são especificamente -, a relação de domínio não é o que vem impedir em seu termo, o que vem impedir em seus abusos ou em seus excessos o domínio sobre o outro. A relação consigo torna-se a condição prévia para se ter direito ao domínio sobre os outros. E, consequentemente, dominar a si mesmo, em particular ter domínio sobre seu desejo, é a condição fundamental". 

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