quinta-feira, 18 de junho de 2020

Benjamin, 1931


Um dos pontos mais fascinantes do ensaio de Walter Benjamin sobre Karl Kraus (publicado em 1931 e intitulado simplesmente "Karl Kraus") é sua capacidade de apontar uma série de caminhos e lidar com uma série de tópicos que não necessariamente estão ligados à poética de Kraus. São caminhos e tópicos que levam a diferentes autores/textos e a diferentes momentos da poética do próprio Benjamin - ao falar de Kraus, ele fala (e permite falar) da literatura e da arte como um todo (ou seja, a ideia de que um ponto específico da rede intertextual da tradição pode levar, potencialmente, em direção a todos os outros). Antes de ser sobre Kraus, o ensaio de Benjamin é uma reflexão sobre a crítica e o pensamento, sobre a insistência em uma vertente digressiva e associativa da crítica.

1) Em primeiro lugar, Kraus serve a Benjamin como símbolo do jornalismo (da esfera pública, do Iluminismo e da "prece matutina" de Hegel), meio de vida (e de arte) no qual o próprio Benjamin estava diretamente implicado (e como desdobramento, a reflexão sobre a posição do artista/escritor na sociedade, algo fundamental nos textos de Benjamin sobre Brecht ou Gide (entrevistado por ele em 1928), por exemplo);

2) em segundo lugar, a devoção de Kraus à linguagem ("não domino a língua, ela me domina completamente", diz um de seus aforismos), em seu lado tanto material quanto metafísico, se liga às preocupações antigas de Benjamin com o tema, como em seu ensaio "Sobre a linguagem em geral e a linguagem do homem", de 1916 (um desdobramento possível é a questão da tradução, inaceitável para Kraus, exercitada e teorizada por Benjamin - o primeiro volume de sua tradução (em parceria com Franz Hessel) de Proust sai em 1926, o segundo em 1930);

3) em terceiro lugar, a posição social de Kraus e sua preocupação com o estilo/linguagem formam uma sorte de imagem dialética diante da qual Benjamin pode exercitar seu procedimento crítico mais atacado por seus contemporâneos: o cruzamento da visão materialista com a visão teológica, marxismo e cabala (Brecht, Adorno e Scholem sempre se escandalizaram com essa peculiar mistura e sempre deixaram isso claro a Benjamin). 

2 comentários:

  1. Uma maravilha essa série dedicada a Karl Kraus. Seu blog é um refrigério, Falcão Klein. Acompanho-o assiduamente desde quando li, em meados de 2017, o "Conversas apócrifas com Enrique Vila-Matas". Espero que o "Wilcock, ficção e arquivo" não tarde a chegar às minhas mãos. Um abraço.

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    1. Que ótimo, Johann, obrigado pelo comentário e pela leitura! É sempre bom saber que não estou falando sozinho no deserto raso da mediocridade (uma frase típica do Kraus, já que estamos falando dele).
      abraços

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