1) Com a notícia da execução na Indonésia, lembrei de Hegel - e de Ludwig, o primeiro filho do filósofo, ilegítimo, que nasceu em 1806 e morreu em 1831, justamente na Indonésia, a serviço da Marinha Mercante da Holanda. Hegel também morreu em 1831 - e ele não me entendeu, foram suas últimas palavras -, e foi ele quem sugeriu a Ludwig a carreira de membro da Marinha Mercante holandesa (para mantê-lo distante?).
2) Hegel tinha fé nas notícias - ele escreveu: "a leitura matutina do jornal é uma espécie de prece realista" (essa é a versão que Susan Buck-Morss dá do original alemão, a biografia de Hegel escrita por Rosenkranz, Georg Wilhelm Friedrich Hegels Leben, "kind of realistic morning prayer", em Hegel and Haiti, 2009, p. 49. A versão de Jon Bartley Stewart é diferente: trata-se da "oração matutina do realista", Miscellaneous writings of G. W. F. Hegel, 2002, p. 247). E Hegel continua: "Em um caso, orienta-se a atenção contra o mundo e em direção a Deus; no outro caso, em direção àquilo que o mundo é. A segurança é a mesma, pois em ambos os casos o objetivo é saber nossa posição no mundo".
3) "Da devoção de Hegel aos jornais temos abundante evidência, desde seus dias de estudante em Tübingen, quando ele acompanhou os eventos da Revolução Francesa, até seus anos em Frankfurt no fim da década de 1790, quando ele lia jornais fazendo notas, até as décadas de 1810 e 1820, quando ele guardou trechos de jornais britânicos, o Edinburgh Review e o Morning Chronicle. Imediatamente depois de terminar A Fenomenologia do Espírito, Hegel saiu de Jena e foi a Bamberg para ser editor de um jornal diário, fechado quando Hegel foi acusado pela censura de revelar a localização de tropas alemãs (em sua defesa, Hegel disse que tirou as informações de outras fontes jornalísticas já publicadas)" (Susan Buck-Morss, Hegel and Haiti, p. 50, nota 83.
4) Dez anos depois da morte de Hegel, em 1841, Edgar Allan Poe inventa Auguste Dupin, o detetive cerebral, que, num de seus casos célebres ("The Mystery of Marie Rogêt"), desvenda o mistério de um crime somente pelo esforço de leitura dos jornais que dão as "notícias" do caso. E dez anos depois disso, em 1851, Marx começa a escrever O 18 Brumário de Luís Bonaparte - não só alimentado por notícias, mas destinado a ser ele também notícia, na revista Die Revolution.
Curioso, Falcão, eu sempre tinha lido que a frase de Hegel era algo como "a leitura do jornal é a oração matutina do homem civilizado". As variações que encontrava dessa frase sempre invocavam o adjetivo "civilizado". Pelo que você apresenta brilhantemente, Hegel pensava na leitura de jornal como atributo do homem "realista". Não acho que essa distinção entre homem "realista" e "civilizado" seja uma diferença menor. A frase adquire um sentido novo.
ResponderExcluirNão lhe parece?
Abraços,
George
Olá, George, obrigado pelo comentário e pela leitura. Faz toda diferença, sem dúvida, trocar "realista" por "civilizado", o que indica também uma tática específica de apropriação de Hegel (e são tantas, a começar por Marx). E ele realmente fala em "realista": no original está que a leitura do jornal é "eine Art von realistischem Morgensegen", um tipo de realista oração matutina, literalmente.
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