1) Como parece ser o caso com Hegel, certos pensadores/escritores acompanham a pulsação do contemporâneo a partir de um contato estreito com os periódicos e a imprensa (em variados graus de intensidade: no caso de Hegel, havia sobretudo a observação do mundo através das notícias e o posterior trabalho em sua própria obra, que transfigurava essa observação em direção a um produto final, digamos, abstrato; o caso de Marx ou Balzac era, em grande medida, diverso, pois o produto final em questão estava mesclado aos periódicos e as notícias).
2) O caso de Maurice Blanchot é paradigmático: os seus primeiros anos como escritor foram marcados por seu alinhamento com a extrema-direita, e tanto seus textos da época quanto as publicações que os receberam ajudam a contar essa história; durante a II Guerra e a ocupação nazista na França, contudo, Blanchot migra pouco a pouco para a esquerda, e aqui também textos e veículos ajudam a contar a história (tal transição não foi exclusividade de Blanchot, muitos escritores estavam envolvidos nisso, seja vivenciando na prática, seja escrevendo sobre - como Gide ou Orwell, por exemplo).
3) Ao longo da década de 1930, Blanchot participa de uma série de periódicos conservadores - mas talvez o mais emblemático, e que termina por exemplificar a dramaticidade dessa transição em seu próprio destino, seja o Journal des débats, fundado em 1789 (o jornal se opunha a Napoleão, que mudou seu título para Journal de l'Empire). Blanchot passa quase dez anos no Journal, chegando a exercer a função de redator-chefe. É simbólico que o Journal des débats tenha sido extinto em 1944, com a Liberação, quando a transição do próprio Blanchot adquiria maior complexidade.
4) O livro por vir marca a maturidade desse outro lado da transição - no qual Blanchot está envolvido com suas leituras de Beckett, Bataille e Hermann Broch, entre outros (a primeira edição do livro é de 1959). A leitura que Blanchot faz de Broch parece espelhar essa dinâmica da transição, essa percepção da necessidade de um encerramento, de um corte (uma morte) dentro da vida - A morte de Virgílio, de Broch, é de 1945, e Broch morre em 1951. Para Blanchot, o romance de Broch é um "canto fúnebre" que aponta para uma transformação da experiência - "da experiência bruta a uma experiência mais vasta, recuperada pela reflexão" (O livro por vir, trad. Leyla Perrone-Moisés, WMF Martins Fontes, 2013, p. 177-183).
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