domingo, 22 de outubro de 2017

Aos trancos

A evocação que Rachel Bespaloff faz da guerra em Homero e Tolstói lembra aquele capítulo de Mimesis no qual Auerbach fala da Canção de Rolando, da passagem do século XI ao XII. Nesse capítulo, o quinto, Auerbach fala que a guerra na Canção de Rolando funciona como a cópula, com idas e vindas, arremetidas e retornos. Ele faz referência à parte final do relato, quando Rolando, já emboscado pelos inimigos, recusa por três vezes tocar a corneta para pedir auxílio; quando ele finalmente decide tocar, a decisão é recusada três vezes por aquele a quem o pedido inicial foi recusado, Oliveiros. Escreve Auerbach:

Os três efeitos também dão, contudo, no seu conjunto, uma evolução, isto é, da primeira estupefação até a compreensão total da situação, mas esta evolução não é uniformemente progressiva, senão que avança aos trancos, com embates para frente e para trás, como o ato da procriação ou do parto. A repetição variante do mesmo tema é uma técnica que provém da poética médio-latina, a qual, por sua vez, a toma da velha retórica (Mimesis, p. 90).

Auerbach aproxima o movimento da guerra ao nascimento do ser humano. Já na Ilíada a aproximação é feita, além de ser toda construída a partir desse procedimento "não uniformemente progressivo", desde o contexto mais amplo (os embates para frente e para trás que levam os troianos até a beira das naus dos aqueus, e que levam os aqueus até a beira das muralhas de Troia, e assim por diante), até as situações mais específicas, que replicam essa oscilação mais ampla (no contexto dos aqueus, os "trancos" e tensões na lida com Aquiles; ou ainda o climático confronto deste com Heitor).

      

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