O livrinho de Rachel Bespaloff sobre a Ilíada chama a atenção pela insistência no paralelo entre Homero e Tolstói: a guerra, a grandiosidade dos feitos e dos sentimentos, a brutalidade, o conjunto etéreo de sentimentos que se ligam ao mais material e direto da morte em combate, etc. Mais do que os elementos que Bespaloff escolhe para corroborar sua aproximação, salta aos olhos a perseverança na aproximação mesma, por si, uma criação da crítica ardorosamente defendida.
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O livro de Bespaloff foi escrito durante a II Guerra Mundial, no exílio. Isso não é mencionado em nenhum momento, mas é dado fundamental para se pensar a razão da escrita, a razão da crítica nesse momento - tanto aproximação quanto distanciamento, ambos radicais, do contexto imediato (nada mais distante de Hitler do que Homero; nada mais próximo da guerra do hoje do que a Ilíada de ontem).
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Faz sentido, portanto, que a introdução à tradução para o inglês seja de Hermann Broch, exilado, também ele profundamente envolvido com o resgate do mito sob o totalitarismo ("O estilo da era mítica" é o título do texto que Broch escreve como introdução ao livro de Bespaloff). Broch e Bespaloff se encontraram em um jantar oferecido por Jacques Schiffrin (criador da Bibliothèque de la Pléiade) em sua casa em South Hadley, Massachusetts, no qual também estava Hannah Arendt.
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Broch morre em Princeton, em 1951; Bespaloff se suicida em 1949, em Nova York - sua angústia era semelhante àquela que Adorno apresenta em Minima moralia: a vergonhosa abundância dos Estados Unidos, diante da ruína da Europa, se torna ainda mais escandalosa por ser tão ingênua e espontânea. É digno de nota que o livro de Adorno tenha sido escrito sob as mesmas condições e no mesmo período que a última produção tanto de Broch quanto de Bespaloff: Minima moralia é iniciado no exílio estadounidense em 1944, finalizado em 1949 e publicado em 1951.
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