Jan Potocki |
Poloneses e suas partidas, seus deslocamentos (um dos livros de cabeceira de Montaigne foi História dos reis e príncipes da Polônia, de Herburt de Fulstin). Roger Caillois, no prefácio da edição francesa de 1958 do Manuscrito encontrado em Saragoça (reformulado e expandido em 1966), comenta vida e obra do autor, Jean/Jan Potocki (1761-1815), e sua "reputação singular de ser um excêntrico e um erudito". O Manuscrito foi escrito em francês, nos informa Caillois, como tudo que escreveu Potocki, membro de "ilustre família polonesa". Em julho de 1788, Potocki voa de balão com o aeronauta francês Blanchard. "A Europa inteira vibra com estas primeiras tentativas de conquistar o céu", escreve Caillois, e continua: "Blanchard acrescentou à barquinha de seu aeróstato um velame móvel e uma hélice vertical. Potocki sobe nela juntamente com um criado turco que faz questão de acompanhá-lo e um poodle. O balão permanece no ar por aproximadamente uma hora, depois aterrissa em Wola, não longe de Varsóvia. Uns cavalheiros vieram buscar os aeronautas para escoltá-los em triunfo de volta à capital. O rei mandou cunhar na Casa da Moeda uma medalha comemorativa. Potocki é o herói do dia". Para o Manuscrito, Potocki parte de Boccaccio (a divisão das histórias em jornadas), recorrendo a elementos do romance gótico, do orientalismo de William Beckford e à "magia de Cazotte". Caillois defende que "sob a máscara da ficção, Potocki esboça na realidade um curso de história comparada das religiões" (lembrando que Caillois publica O homem e o sagrado em 1939), e completa: "Potocki não renegou seus mestres. Ele é seguramente Enciclopedista, mas é antes de tudo enciclopédico" (Manuscrito encontrado em Saragoça. Trad. Lília Ledon da Silva. Brasiliense, 1988, p. 35 - a tradução mais recente do Manuscrito de Potocki ao espanhol foi feita por César Aira).
Poloneses e suas partidas, seus deslocamentos - esse é o cerne de Badenheim 1939, a novela que Aharon Appelfeld publica em 1978. A cidade do título é uma pequena cidade no interior da Áustria que vive da alta temporada de veraneio e dos gastos dos turistas. De repente, o "Departamento Sanitário" começa a se anunciar cada vez mais presente na vida dos habitantes, até o aviso de que todos os habitantes judeus deveriam passar em seus escritórios para cadastro. É então que surge a "Polônia", que sabemos ser a Polônia ocupada pelos nazistas, a Polônia dos campos, anunciada pelo Departamento como futuro ponto de realocação desses habitantes. Appelfeld vai pouco a pouco desenvolvendo a trama a partir da incredulidade, da confiança desses habitantes de Badenheim na profundidade de sua assimilação à identidade austríaca - a visita do Departamento "transtornou Martin", um dos personagens, escreve Appelfeld, "ele acreditava nas autoridades e, por isso, culpava-se a si mesmo". A novela termina antes da chegada à Polônia, a Polônia nunca está de fato presente, ela paira e oscila entre essas fantasias - as promessas do Departamento, a negação dos que acreditam na assimilação ("Eu sou, como você, austríaco. Meus antepassados? Não sei. Talvez, quem sabe? O que importa quem foram meus antepassados?"), a celebração daqueles que ainda lembram da Polônia, que celebram o retorno, que retomam a língua, que falam da música na Polônia, tão superior, até o abandono coletivo ao final ("Os campos verdes e úmidos espalhavam-se ao redor. Uma delicada cerração matutina subia lânguida nos ares. Como era fácil a transição, eles mal a sentiam. O dono do hotel empurrava a cadeira de rodas do rabino como se tivesse nascido para essa tarefa").
(Aharon Appelfeld. Badenheim 1939 / Tzili: novelas. trad. Rifka Berezin e Nora Rosenfeld. São Paulo: Summus, 1986 - Philip Roth fala de Badenheim 1939 nos seguintes termos: "pede-se ao leitor - de modo enfático, ao meu ver - que veja a transformação de uma agradável estação de águas austríaca frequentada por judeus no sinistro palco da 'relocalização' dos judeus para a Polônia como um processo de algum modo análogo aos eventos que precedem o Holocausto de Hitler", Entre nós, trad. Paulo Henriques Britto, Cia das Letras, 2008, p. 37).
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Poloneses e suas partidas, seus deslocamentos - esse é o cerne de Badenheim 1939, a novela que Aharon Appelfeld publica em 1978. A cidade do título é uma pequena cidade no interior da Áustria que vive da alta temporada de veraneio e dos gastos dos turistas. De repente, o "Departamento Sanitário" começa a se anunciar cada vez mais presente na vida dos habitantes, até o aviso de que todos os habitantes judeus deveriam passar em seus escritórios para cadastro. É então que surge a "Polônia", que sabemos ser a Polônia ocupada pelos nazistas, a Polônia dos campos, anunciada pelo Departamento como futuro ponto de realocação desses habitantes. Appelfeld vai pouco a pouco desenvolvendo a trama a partir da incredulidade, da confiança desses habitantes de Badenheim na profundidade de sua assimilação à identidade austríaca - a visita do Departamento "transtornou Martin", um dos personagens, escreve Appelfeld, "ele acreditava nas autoridades e, por isso, culpava-se a si mesmo". A novela termina antes da chegada à Polônia, a Polônia nunca está de fato presente, ela paira e oscila entre essas fantasias - as promessas do Departamento, a negação dos que acreditam na assimilação ("Eu sou, como você, austríaco. Meus antepassados? Não sei. Talvez, quem sabe? O que importa quem foram meus antepassados?"), a celebração daqueles que ainda lembram da Polônia, que celebram o retorno, que retomam a língua, que falam da música na Polônia, tão superior, até o abandono coletivo ao final ("Os campos verdes e úmidos espalhavam-se ao redor. Uma delicada cerração matutina subia lânguida nos ares. Como era fácil a transição, eles mal a sentiam. O dono do hotel empurrava a cadeira de rodas do rabino como se tivesse nascido para essa tarefa").
(Aharon Appelfeld. Badenheim 1939 / Tzili: novelas. trad. Rifka Berezin e Nora Rosenfeld. São Paulo: Summus, 1986 - Philip Roth fala de Badenheim 1939 nos seguintes termos: "pede-se ao leitor - de modo enfático, ao meu ver - que veja a transformação de uma agradável estação de águas austríaca frequentada por judeus no sinistro palco da 'relocalização' dos judeus para a Polônia como um processo de algum modo análogo aos eventos que precedem o Holocausto de Hitler", Entre nós, trad. Paulo Henriques Britto, Cia das Letras, 2008, p. 37).
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