quinta-feira, 26 de março de 2015

Balões, 7

Um escritor está bebendo no balcão de um bar. Ele começou como escritor, costumava se definir como escritor, mas isso se acabou, se esgotou. Ele está contando ao atendente do bar - que está atrás do balcão e que estabelece a posição da câmera e a posição do nosso olhar - como tudo começou e como a bebida lhe servia como uma espécie de estimulante, de combustível. O escritor se chama Don Birnam, interpretado por Ray Milland em The Lost Weekend (Billy Wilder, 1945). Birnam diz que a bebida o faz sentir que pode pintar como Van Gogh, esculpir a barba de Moisés como Michelangelo, fazer versos como Shakespeare e imaginar a rua como se fosse o fluxo do Nilo, etc. Mas o mais importante é que ele diz que a bebida corta os sacos de areia e deixa o balão voar solto pelo ar. É claro que isso funcionou somente por um tempo, pois com o bloqueio veio o desespero e assim por diante. À medida que vai contando sua história, Birnam bebe, e cada dose é sinalizada pela marca do líquido no balcão - pequenos círculos que vão se acumulando, perfeitos e simétricos, e o copo cheio flutuando, espelhado no balcão como um balão que sobrevoa o oceano.

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