Uma olhada atenta nos ensaios escritos por Elias Canetti revela um padrão interessante: sua preferência pelos textos "exteriores" às obras literárias - diários, correspondências, memórias. Nesses ensaios, Canetti se mostra como um leitor paciente, que passou e repassou esses textos de natureza secreta e enigmática ao longo de muitos anos - o tipo de vivência que lhe permitiu, mais tarde, escrever seus próprios volumes autobiográficos. Em A consciência das palavras, sua coletânea de ensaios, Canetti se ocupa de textos como o diário de um médico de Hiroshima, as memórias de Albert Speer sobre Hitler, o diário de Tolstói, as cartas de Georg Büchner, Karl Kraus e, especialmente, aquelas que Kafka trocou com Felice Bauer. Canetti procura pelas especificidades de cada artista, ligando vida e obra a partir dessa consciência dos detalhes - às vezes uma palavra que se repete, uma imagem, alguma percepção muito particular do mundo que, rarefeita nos textos acabados, torna-se luminosa nos textos privados. É, de resto, mais um elemento dentro da preocupação de Canetti com a relação entre massa, soberania e poder: como um fluxo múltiplo de textos, leituras, experiências, estímulos e frustrações pode se tornar, depois de um extenuante trabalho, uma obra coesa, independente - sem jamais deixar de remeter, em suas entrelinhas, ao caos que a tornou possível.
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