quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Ellis Island

1) Georges Perec e Robert Bober realizaram, entre 1978 e 1980, um filme sobre a Ellis Island - uma pequena porção de terra na foz do Hudson na qual, no início do século XX, em instalações especialmente construídas para isso, mais de dezesseis milhões de pessoas foram transformadas, através de um decreto federal, de "emigrantes" em "americanos". O filme de Perec foi transmitido pela primeira vez em novembro de 1980, pela rede francesa TF1, com o título de Ellis Island, histórias de errância e esperança.
2) O texto de Perec acompanha as imagens de arquivo e as imagens coletadas durante a visita - uma espécie de voz fora de campo que explora os espaços abandonados (corredores, velhas fotografias, objetos retorcidos, resíduos). Dizem que Ellis Island foi o último texto finalizado por Perec, que morre em março de 1982. O infatigável conquistador de espaços, sempre disposto a dissecar os lugares e as coisas através da narrativa ficcional, interroga-se, em Ellis Island, sobre "o lugar próprio do exílio". "Aquilo que venho interrogar aqui", escreve Perec, "é a errância, a dispersão, a diáspora". Para Perec, Ellis Island é "o lugar da ausência de lugar, o não-lugar, o de nenhuma parte". A ilha está vazia apenas para aqueles que não olham com o tempo necessário - ela está cheia de fantasmas, de murmúrios da história, gerando uma sorte de "memória potencial" ou "autobiografia provável", segundo as palavras de Perec.
3) Ellis Island foi durante anos um confuso e monumental viver-junto (uma espécie de amargo campo de concentração, que reunia, em iguais medidas, esperança e desespero), que Perec registra com seu tom conciso e sua pulsão inventariante: quatro milhões de imigrantes da Irlanda, seis milhões da Alemanha, três milhões da Rússia e da Ucrânia, um milhão da Romênia e da Bulgária... Perec coloca uma epígrafe de Kafka quase no fim do livro - um trecho de Amerika. Perec conta sua história a partir da história de milhões. A prosa inicial (e por isso a narração no filme só é suficiente até certo ponto), seca e informativa, se transforma em uma sequência de versos livres, marcados por brancas pausas - uma geometria da escritura que procura dar conta, talvez, do vaivém dos corpos, das vidas e das estórias durante os anos de atividade da ilha.

Em Ellis Island, o destino tinha
o aspecto de um alfabeto. Os oficiais sanitários
examinavam rapidamente os que chegavam e
traçavam com gesso nas costas
daqueles que consideravam
suspeitos
uma letra que designava a doença ou
a moléstia que pensavam ter descoberto:

C, tuberculose

E, os olhos

F, o rosto

H, o coração

K, hérnia

L, claudicação

SC, o couro cabeludo

TC, tracoma

X, retardo mental

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