quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Desvarios sobre a série

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Existe coragem em Don Juan?
Derrida falou bastante da homossexualidade viril que marca o discurso ocidental - a amizade que só é possível entre homens, um medo da feminilidade, ou o feminino como vazio (o vazio que é vazio desde sempre, não o vazio que é vazio por extração, subtração).
Aparentemente não há medo da feminilidade (femi-niilidade) em Don Juan. Ele segue adiante, conquista após conquista, como um colecionador. Lacan diz que essa busca é sempre fim porque Don Juan quer a mulher com falo - a mulher impossível, o impossível em suma, ou talvez uma mãe primária, originária. Don Juan quer tomar todas as mulheres do pai - as que ele teve e as que nunca poderia ter. Mas a única inacessível é, obviamente, a mãe. A mãe, por não estar disponível, tem o falo - o impossível.
Don Juan mata o pai a partir da série. Por onde passa a lei se não há regressão? Por onde passa a lei se o sujeito só segue adiante?
É completamente lícito pensar em César Aira.
César Aira é o Don Juan da literatura contemporânea: sua superfertilidade está em íntima ligação com uma inoperância cada vez mais perigosamente cultivada. Sua escritura é auto-imune. A impossibilidade da obra completa é cada vez mais violenta - e o pesadelo que engendra é a imagem do escritor satisfeito, acariciando as lombadas de seus livros, uma coleção que é só aparentemente dispersa, ele diz que não guarda, que não se importa (como os manuscritos de Macedonio), mas, no fundo (no fundo do pesadelo), no fundo da biblioteca, ele reservou uma seção especial para seus escritos, para suas edições (aqui estão as traduções ao alemão, etc)
Estão deixando sementes para trás? É um desperdício ou um investimento?
César Aira já foi menina e já foi freira - há uma coragem feminina, um investimento no vazio. Na lista dos escritores prediletos, feita no Diário da hepatite, só há franceses. Mas fica a questão: superfertilidade ou inoperância? Às vezes parece que tem muito a perder e por isso permanece (deixando o dispositivo de autor funcionando sozinho). Às vezes parece que não tem nada a perder, e por isso continua trabalhando, criando.
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Um comentário:

  1. não gosto do pensamento no qual a amizade entre mulheres não existe...mas, voltando a César Aira, ainda não o li, devo estar perdendo muito.

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