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1) O livro de Magris é da mesma natureza dos livros de Sebald, principalmente no que diz respeito à errância e à desterritorialização – aquela sensação de que um caminho tomado ao acaso (uma cartografia pessoal) diz, e recebe, mais da geografia explorada que um mapa ou tratado. Magris e Sebald compartilham com Robert Walser esse impulso pelo andar à deriva, pela flânerie. 2) Todos padecem da irresistível vontade de percorrer os lugares não-contemplados, descartados como desinteressantes ou irrelevantes para a historiografia clássica. Há, em Magris, assim como em Sebald e Walser, uma mescla do arcaico com o futurista: estão em contato com a terra, e com os caminhos inexplorados da terra, para absorver o que quer que tenha sobrado da história, para captar os influxos dos tempos que se acumulam nas cidades centenárias e, principalmente, nas árvores centenárias que circundam essas cidades; estão em busca de uma comunicação que esteja além das palavras – o arcaico como a tradição oral, como a magia (aquela magia ancestral cuja perda, segundo Walter Benjamin, é o primeiro motivo de tristeza para as crianças). 3) Mas, assim como estão em contato com o arcaico, com o início, com a primeira camada, os caminhantes também estão em contato com o fim, com a destruição, com a resolução e dissolução do tempo e da história. 4) A busca pelo puro é constantemente atravessada pela consciência das ruínas, pela consciência de que não há semblante original, ou ainda, de que aquilo que nos sobra é apenas o fragmento. É por isso que, tanto Sebald quanto Magris, estão atentos ao que teve lugar, à placa que indica o que já não existe mais, ao banal da história, ao ridículo do monumento, ao lado fetichista e paródico da homenagem, ao caráter fantasmático da memória (que se regozija com o abismo entre expectativa e realização). 5) Até o índice e a forma usada para separar os capítulos remete a esse cenário, especialmente se confrontarmos Danúbio com Os anéis de Saturno, de Sebald. Muitas divisões, capítulos breves dentro de uma grande seção, que levam títulos muito característicos, como epitáfios, como enigmas, que identificam ao mesmo tempo em que deixam em suspenso, prometendo uma história ou um dado histórico que só mais adiante será dado, sub-repticiamente.
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