terça-feira, 24 de agosto de 2010

Monsieur Teste

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1) Monsieur Teste é, junto com Museo de la novela de la eterna, uma espécie de aleph da ruptura, da modernidade e das vanguardas: são textos sem ponto final, deixados em potência, em simultânea ação sobre presente, passado e futuro. 2) Respondem a obsessões, fixações que uma vida inteira não é suficiente para resolver. 3) Teste pode ser lido como cabeça - tête - e como texto - texte -, e as duas tentativas se complementam, porque são fiéis ao mostrar o projeto de Valéry de uma ficção pura, autorreferente como uma máquina. 4) A ficção de Valéry toma a cabeça como cenário (o pensamento, o cogito) e, nisto, é precursora de Beckett, que apresenta o cenário de Fim de partida como um crânio sem pele e sem carne, por onde passam fantasmas e figuras mortas (duas janelas como olhos e a porta como a boca escancarada). 5) A ficção-cabeça de Valéry é uma releitura de Descartes e de sua confiança plena no conhecimento e no esclarecimento. 6) Piglia, em Respiração artificial, observa que o Discurso do método, de Descartes, foi considerada por Valéry como o primeiro romance moderno. 7) Giorgio Agamben, em texto sobre Teste, dá a fonte: está nos Cadernos de Valéry, e o trecho diz mais: para Valéry, o cogito de Descartes é uma ficção, ou ainda, um procedimento ficcional que não pretende mudar o pensamento mas, apenas, dar coerência à história que engendra - assim como Teste, uma história que deseja perder-se em seu próprio infinito. 8) Teste, segundo Giorgio Agamben, é também testis, testemunha e terceiro, aquele que contempla do exterior, ou aquele que está diretamente implicado e que, mesmo assim, sobrevive ao evento, ao trauma. 9) Monsieur Teste é imortal, contempla a história da literatura e vibra com seus sobressaltos. É um observador, leu todos os livros, sua memória é uma esponja. 10) Monsieur Teste não é pessoa; é livro, imagem - e, por isso, é o grau zero do dizer e do calar, reinando soberano em Bartleby e companhia, de Vila-Matas. Teste preenche todo o abismo do eu.
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