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Uma das coisas mais engraçadas que vi recentemente foi no ônibus, um daqueles equipados com televisores. Passaram, entre o horóscopo (capricórnio, vida amorosa) e a previsão do tempo (vento sudoeste), algumas cenas envolvendo animais. Eram videocassetadas, para ser mais exato. A primeira mostrava um avestruz tentando alcançar alguma coisa com a boca. Pisava em falso, porque estava distraído, e caía no pequeno lago dentro de seu viveiro. O segundo vídeo mostrava um urso polar, mergulhando e voltando à tona com um prato equilibrado na cabeça. O terceiro e último vídeo mostrava o interior de um estábulo, e de uma das baias saía a cabeça de um cavalo, que parecia estar brincando de fort, da: indo e voltando, como num relógio-cuco.
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Ri bastante. O sujeito ao meu lado também riu. Desenvolveu-se uma cumplicidade intensa, mas que durou segundos. Não esqueci o cavalo, nem o avestruz. Principalmente porque estava lendo, já terminei mas continuo lendo, Lo abierto: el hombre y el animal, de Giorgio Agamben. Cheguei até este livro, ainda que já conhecesse Agamben por outras vias, por conta de uma declaração do Silviano Santiago, em entrevista à revista Outra travessia. Ele dizia que era o livro mais interessante que tinha lido nos últimos tempos. Lo abierto trata, grosso modo, sobre a animalidade no homem e a divisão criada pela filosofia entre um e outro. O contexto biopolítico e pós-histórico leva a um questionamento ético acerca da arbitrariedade dessa cisão - trata-se, por fim, de uma reconciliação por parte do pensamento com sua potência inoperante, com a possibilidade de não tomar para si projetos, obras e missões históricas. Fazer a máquina antropológica girar no vazio, como diz Agamben. Abarcar o impossível.
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O avestruz não quis ser engraçado. O cavalo não estava interpretando. Muito provavelmente estava espantando moscas. Ainda não entendo muito bem por qual razão eu achei tão engraçado. Tem a ver com a ingenuidade, com a gratuidade do ato, mas é também uma intervenção sobre o desconhecido absoluto - sem mais nem menos, dentro de um ônibus, eu contemplei o vazio de um aberto que leva a uma clausura, ou seja, o outro radical no animal. Fazer daquilo uma videocassetada é uma tentativa desesperada de se apropriar do impossível. O animal não conhece nada, está além de qualquer aberto ou de qualquer clausura. O homem gerencia o corpo através da técnica.
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Nik_laurent...
ResponderExcluirboa colocação de palavras brother, parabéns... realmente supreme... abraços...