2) Ao estudar a história da Grécia "até decorar", passando à história de Roma e assim por diante, Sarmiento declara que "sente-se" sucessivamente "Leônidas e Brutus, Aristides e Camilo, Harmódio e Epaminondas", e isso "enquanto vendia erva-mate e açúcar". A partir dessas vidas célebres do passado, Sarmiento alcança (e traduz) as vidas cotidianas do presente, seu presente, sua época, seu contexto - o presbítero José, o frei Justo Santa María, Domingo o orador, uma espécie de "panteão provincial", como escreve Molloy, que acrescenta: "Mas como no caso de Kafka e seus precursores, esses parentes teriam pouco a ver entre si (e menos interesse para o leitor de Recuerdos) se Sarmiento não tivesse existido" (p. 57).
3) A partir do registro das vidas e da absorção das vidas alheias ao próprio trajeto subjetivo (algo que é incorporado ao texto), Sarmiento promove uma sorte de atualização da ideia de Warburg (que seria enunciada algumas décadas depois) de que "Atenas e Oraibi" podem ser "primas" (modificando o verso do Fausto de Goethe: do Harz à Grécia, todas são primas/Atenas e Oraibi, todas são primas). Da mesma forma que Borges vai a Kafka para reler textos do passado, Molloy vai a Borges (e sua estratégia de leitura) para revisitar Sarmiento e sua relação peculiar com as vidas alheias ao seu redor, transfiguradas pelo contato que o jovem Sarmiento tem com os textos antigos (traduzidos e transformados pelos manuais, já que ele não lê no original), um percurso que permite, finalmente, ler Sarmiento com Warburg.
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