terça-feira, 11 de outubro de 2022

Entre línguas


"Conta George Steiner que sua mãe, burguesa vienense, começava uma frase em um idioma e terminava em outro, 'os idiomas voavam pela casa toda'. Este voo linguístico, que Steiner apresenta como um ir e vir totalmente natural, o voo linguístico direto, sem escalas, típico da classe ilustrada, nem sempre é tão confortável para os outros: assim como os trabalhosos deslocamentos linguísticos dos menos afortunados, aqueles que vivem entre um idioma postergado e outro idioma que não dominam de todo. Para este pobre de língua, não existe voo direto: existem as incômodas, desconcertantes (e por vezes humilhantes) escalas. Vazios do dizer" (Sylvia Molloy, Viver entre línguas, trad. Julia Tomasini, Mariana Sanchez, Relicário, 2018, p. 42)

"Alan Pauls conta que, quando pequeno, invejava os cantores europeus que cantavam músicas em espanhol com sotaque: Ornella Vanoni, Nicola di Bari, Domenico Modugno, nomes aos que não posso deixar de acrescentar o de Vikki Carr com seu inesquecível Y volveré. De minha parte, lembro como eu e minha irmão nos divertíamos escutando no rádio o fortemente acentuado e possivelmente não compreendido inglês da memorável Lilian Red, nascida Nélida Esther Corriale, lady crooner de Héctor y su Gran Orquestra de Jazz, quem cantava que amava alguém 'with all my rádensoul'. Levei um bom tempo para perceber que se tratava do tão manjado heart and soul; era muito mais misterioso rádensoul, algo assim como uma poção oriental, provocativa, talvez obscena para a menina que eu era na época" (p. 45)

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