quarta-feira, 26 de outubro de 2022

O interlocutor


"Quanto a meu filho primogênito, por muito tempo pensei que não podia tê-lo como interlocutor, pois filhos não podem ser interlocutores, uma vez que costumam ser hipercríticos e implacavelmente severos conosco. Se isso não acontece, acontece o contrário, e é pior: consciente ou inconscientemente, eles tendem a nos mitificar. No entanto, em determinado momento descobri que este meu filho, do jeito estranho dele, é meu interlocutor. É um interlocutor assim: submeto-lhe o que escrevo, ele lê e imediatamente me cobre de ofensas e injúrias. O estranho é que suas injúrias não me ferem de maneira nenhuma e me dão vontade de rir. Ele também fica com vontade de rir, mas nem por isso desiste de proferir suas ofensas com uma prepotência divertida e selvagem. Riso e alegria jorram de seus olhos de carvão, de sua cabeça negra, crespa e selvática. Acredito que me ofender seja um dos prazeres de sua vida. Escutar suas ofensas certamente é um dos meus"

(Natalia Ginzburg, "Interlocutores" (agosto de 1970), Não me pergunte jamais, trad. Julia Scamparini, Ayiné, 2022, p. 224-225)

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