O mundo existirá sempre a partir da metáfora que o configura. "O leão é feito de carneiro assimilado", anotou um dia Paul Valéry, uma declaração que evoca a célebre passagem do Apocalipse, o delírio de João: "Conheço tuas obras, sei que não és nem quente nem frio; assim, porque és morno, e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca" (3; 15-16). Tensa convivência entre o que é exterior e o que é interior - o Cordeiro de Deus é tanto a instância passiva que aceita a morte quanto a entidade atemporal que tudo abarca, que tudo assimila e que decide quem será vomitado (leão e cordeiro se confundem entre o amor e a justiça). A passagem ecoa também as palavras de Cristo na Parábola do Semeador: "o semeador saiu a semear", uma parte das sementes lançadas foi comida pelas aves, outra parte caiu entre pedras, outra entre espinhos; "outra caiu na boa terra e dava fruto, havendo grãos que rendiam cem, outros sessenta, outros trinta por um; quem tem ouvidos, ouça" (Mateus, 13; 1-9). O foco já não está tanto na digestão, como era o caso para Valéry, mas na expulsão, na excreção - vomitar, expelir, dar à luz, defecar. Um contemporâneo de Valéry - Ludwig Wittgenstein -, ao comentar o trabalho de um pensador recém-falecido (uma carcaça a ser devorada), retoma a metáfora: "Minha originalidade, se essa é a palavra certa, é uma originalidade do terreno, não da semente (talvez eu não possua nenhuma semente que me seja própria). Jogue uma semente no meu terreno e ela crescerá de um modo diferente de qualquer outro terreno. A originalidade de Freud é desse mesmo gênero, acredito" (Culture and Value (Vermischte Bemerkungen), Traduzido do alemão ao inglês por Peter Winch, Oxford: Blackwell, 1978, p. 36).
Há 10 horas
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