1) George Steiner deu ao exercício da crítica uma feição quase agonística e quase trágica ao propor e investigar o seguinte dilema: Tolstói ou Dostoiévski, seu primeiro livro, publicado em fins da década de 1950. "A crítica literária deve brotar de uma dívida de amor", é a primeira frase do livro. Steiner defende a imperativa necessidade de marcar uma posição, confrontando duas obras e dois autores que, mesmo compartilhando aqui e ali alguns elementos, representam duas concepções de mundo e de literatura antagônicas - sem mediação, sem conciliação, sem caminho alternativo, o que Steiner postula, em Tolstói ou Dostoiévski, é a necessidade rigorosa de escolha, o tipo de postura radical que, segundo ele, fertiliza o exercício da crítica literária (algo que Susan Sontag vai explorar alguns anos depois com a ideia de "vontade radical").
2) Não parece ter passado pela cabeça de Tolstói sequer a possibilidade de se comparar a Dostoiévski. Sua dívida de amor, que era também uma dívida de ódio, de repulsa e de desespero, era com e contra Shakespeare. Harold Bloom afirma que a repulsa de Tolstói era fruto da consciência de um marco intransponível: Tolstói pressentia que era impossível ir além de Shakespeare, um pressentimento aliado a uma revolta um pouco irracional por conta do fato de Shakespeare ter chegado primeiro em termos históricos. Numa frase que parece não levar a lugar algum, Bloom escreve: "Shakespeare perturbava Tolstói porque o distanciamento deste, como autor, assemelha-se ao de Shakespeare e, nos momentos em que a arte suprema se afirma, o moralismo exacerbado cessa" (Gênio, tradução de José Roberto O'Shea, Objetiva, 2003, p. 92).
3) George Orwell, por sua vez, em ensaio publicado em 1947 ("Lear, Tolstoi e o Bobo"), é bem mais preciso. Orwell lê com cuidado o texto de Tolstói, escrito no fim da vida, no qual afirma que aos setenta e cinco anos decidiu reler mais uma vez as obras completas de Shakespeare e, mais uma vez, sentiu raiva e repulsa. Por que Tolstói escolhe para sua análise justamente Rei Lear, se pergunta Orwell. Seu resumo da peça é tendencioso, parcial, recortando trechos e enfatizando outros para defender sua tese de que Shakespeare é uma moda estúpida que durou tempo demais. Mas, para Orwell, o que Tolstói não pode suportar é o fato de se identificar com Lear, se identificar com a figura nobre que renuncia a tudo e que, como recompensa por esse gesto magnânimo, espera o respeito e a admiração daqueles que o rodeiam - mas Lear espera e não recebe, e Tolstói não pode aceitar esse fim trágico, porque é um fim que não deseja a si próprio (Orwell fala da visão anarquista de Tolstói, mas que é sustentada por uma sensibilidade autoritária, uma sensibilidade que não consegue sentir interesse por qualquer coisa que não seja ela própria - Dentro da baleia, tradução de José Antonio Arantes, Companhia das Letras, 2005, p. 173-194).
2) Não parece ter passado pela cabeça de Tolstói sequer a possibilidade de se comparar a Dostoiévski. Sua dívida de amor, que era também uma dívida de ódio, de repulsa e de desespero, era com e contra Shakespeare. Harold Bloom afirma que a repulsa de Tolstói era fruto da consciência de um marco intransponível: Tolstói pressentia que era impossível ir além de Shakespeare, um pressentimento aliado a uma revolta um pouco irracional por conta do fato de Shakespeare ter chegado primeiro em termos históricos. Numa frase que parece não levar a lugar algum, Bloom escreve: "Shakespeare perturbava Tolstói porque o distanciamento deste, como autor, assemelha-se ao de Shakespeare e, nos momentos em que a arte suprema se afirma, o moralismo exacerbado cessa" (Gênio, tradução de José Roberto O'Shea, Objetiva, 2003, p. 92).
3) George Orwell, por sua vez, em ensaio publicado em 1947 ("Lear, Tolstoi e o Bobo"), é bem mais preciso. Orwell lê com cuidado o texto de Tolstói, escrito no fim da vida, no qual afirma que aos setenta e cinco anos decidiu reler mais uma vez as obras completas de Shakespeare e, mais uma vez, sentiu raiva e repulsa. Por que Tolstói escolhe para sua análise justamente Rei Lear, se pergunta Orwell. Seu resumo da peça é tendencioso, parcial, recortando trechos e enfatizando outros para defender sua tese de que Shakespeare é uma moda estúpida que durou tempo demais. Mas, para Orwell, o que Tolstói não pode suportar é o fato de se identificar com Lear, se identificar com a figura nobre que renuncia a tudo e que, como recompensa por esse gesto magnânimo, espera o respeito e a admiração daqueles que o rodeiam - mas Lear espera e não recebe, e Tolstói não pode aceitar esse fim trágico, porque é um fim que não deseja a si próprio (Orwell fala da visão anarquista de Tolstói, mas que é sustentada por uma sensibilidade autoritária, uma sensibilidade que não consegue sentir interesse por qualquer coisa que não seja ela própria - Dentro da baleia, tradução de José Antonio Arantes, Companhia das Letras, 2005, p. 173-194).
Quais eram as reais objeções de Tolstoi em relação a Shakespeare? O que ele expressou contra o dramaturgo inglês em livros como "Shakespeare e o Drama" e "O que é arte"?
ResponderExcluirTolstoi apenas identificava uma "falta de compromisso moral" nas obras de Shakespeare?
Falcão,
ResponderExcluirO espaço para comentários também comporta perguntas? Também poderia comportar respostas?
Infelizmente não sei as respostas para suas perguntas, George. Agradeço o contato.
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