1) A utilização dos jornais na literatura: Pereira, em Afirma Pereira, de Antonio Tabucchi, personagem cuja própria trajetória de conscientização e emancipação política vai em paralelo ao seu uso cada vez mais anárquico das possibilidades de sua atividade jornalística (primeiro com a tradução de autores franceses, depois, antes de desaparecer e abandonar sua identidade, a derradeira peça de sabotagem que deixa no prelo).
2) Em paralelo, na mesma época histórica e com materiais semelhantes, O ano da morte de Ricardo Reis, de Saramago, em que Ricardo Reis vai pouco a pouco retornando ao mundo português e ao mundo europeu (estava no exílio carioca...) a partir das notícias do jornal - notícias que acompanha um pouco no piloto automático, pela força do hábito, uma força do hábito que Saramago de alguma forma consegue encaixar na própria dinâmica da narrativa, costurando milimetricamente o cotidiano, o histórico e o poético. Ricardo Reis como uma espécie de detetive involuntário que vai reunindo e montando as peças meio que à revelia de sua própria consciência, trajetória e desejo (muito como Pereira nesse sentido).
3) A ideia do detetive involuntário faz iluminar imediatamente a analogia com Poe, com seu detetive Auguste Dupin, que jamais pisou numa cena do crime - resolvia todos os casos dentro de seu quarto, lendo as notícias dos jornais (não tanto aquilo que estava escrito, mas aquilo que faltava, aquilo que era eloquente em sua ausência - uma leitura das lacunas que é também o mote para o romance de Sabato, Sobre heróis e tumbas, baseado numa nota do La Razón de 28 de junho de 1955).
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