No final, e em circunstâncias infelizes na cidade italiana de Turim, Nietzsche ficou arrasado com a visão de um cavalo sendo cruelmente espancado na rua. Ao correr para lançar os braços ao redor do pescoço do animal, sofreu uma terrível convulsão e aparentemente passou o restante de sua dolorosa e assombrada vida aos cuidados da mãe e da irmã. A data do trauma em Turim é potencialmente interessante. Ocorreu em 1889, e sabemos que em 1887 Nietzsche havia sido fortemente influenciado por sua descoberta da obra de Dostoiévski. Parece haver uma correspondência quase fantástica entre o episódio da rua e o medonho sonho experimentado por Raskolnikov na véspera de cometer os assassinatos decisivos de Crime e castigo. O pesadelo, que é impossível esquecer depois que você o leu, envolve o espancamento terrivelmente prolongado de um cavalo até a morte. Se a horrenda coincidência foi suficiente para produzir o desequilíbrio final de Nietzsche, ele devia estar enormemente enfraquecido ou chocantemente vulnerável por conta de seus outros sofrimentos não relacionados. Nietzsche aproveitou ao máximo seus poucos intervalos sem dor e loucura para colocar no papel suas coletâneas de aforismos e paradoxos penetrantes. Isso pode ter lhe dado a impressão eufórica de que estava triunfando e fazendo uso da Vontade de Poder. Crepúsculo dos ídolos foi publicado quase simultaneamente ao horror em Turim, de modo que a coincidência foi levada mais longe do que poderia razoavelmente ir.
Christopher Hitchens. Últimas palavras. Tradução de Alexandre Martins. Globo, 2012, p. 57.
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