1) Na sua Carta sobre os surdos-mudos para uso dos que ouvem e falam (publicada em 1751, poucos meses antes do primeiro volume da Enciclopédia), Diderot cobre uma série de temas e apresenta uma constelação de cenas heterogêneas - algo bastante típico do ambiente "iluminista" em geral. Chama a atenção as citações nas línguas originais que faz Diderot - Homero citado do grego, Virgílio e Lucrécio citados do latim, Torquato Tasso citado do italiano - e, dentro desse tópico, chama a atenção o cuidado de Diderot na circunscrição de seus comentários à letra do texto, um método de leitura cerrada que, de resto, como Diderot sabia bem, começou (em certa medida) com os gramáticos alexandrinos em seu trabalho com Homero.
2) Um dos momentos mais interessantes da carta de Diderot é quando ele discute os momentos em que uma passagem do literário ao visual não é garantida, desejada ou mesmo esteticamente congruente. Para construir o argumento, Diderot resgata uma passagem da Eneida de Virgílio, os versos 124-127 do primeiro Livro: "Netuno percebeu que o mar se agitava com grande ruído e que águas tranquilas do fundo estavam em revolta; violentamente abalado, olha para o alto desde o fundo, erguendo a cabeça acima das ondas".
3) Diderot argumenta que aquilo que funciona no poema, não funcionaria na pintura - como levar à tela a imagem impressionante do deslocamento do deus das profundezas em direção à superfície? Tudo que a pintura poderia mostrar, no caso específico desses versos, é a imagem do deus degolado, Netuno como uma reles cabeça decepada flutuando no mar, nada mais distante da magnificência produzida pelos versos de Virgílio, que colocam em contato a transformação do destino de Enéias (que sofre no mar) e a súbita consciência de Netuno de que algo não está correto em seus próprios domínios.
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