terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Verdade e justiça



"A escolha dos sintomas que são os intraduzíveis, assim, deriva da atenção às homonímias, percebidas em uma língua apenas do ponto de vista ou em função de outra língua. Por exemplo, em russo: pravda, que por costume, com ajuda do nome de um jornal, vertemos como vérité ['verdade'], significa, antes de tudo, justice ['justiça'] (é a tradução consagrada do grego dikaiosune], e é, portanto, um homônimo quando visto do francês. Por outro lado, nossa vérité é um homônimo do ponto de vista eslavo, pois o termo sobrepõe pravda, relativo à justiça, a istina, relativo ao ser e à exatidão.

O mesmo se aplica à ambiguidade 'para nós' da raiz svet, 'luz' / 'mundo', assim como à problemática homonímia de mir, 'paz', 'mundo' e 'comuna camponesa', com a qual Tolstói não para de jogar em Guerra e paz. Podemos desenrolar, sem dúvida, quase todo o dicionário puxando esse fio. Pois obviamente não se trata apenas de termos isolados, mas de redes: o que o alemão significa por Geist será às vezes mind e às vezes spirit, e a Phänomenologie des Geistes será às vezes of the Spirit, às vezes of the Mind, fazendo de Hegel um religioso espiritualista ou o ancestral da filosofia do espírito"

(Barbara Cassin, Elogio da tradução. Complicar o universal, trad. Daniel Falkemback e Simone Petry, WMF Martins Fontes, 2022, p. 81-82)

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